Série de reportagens mostrará como o acesso a recursos e à internet podem transformar aprendizagem nas zonas rurais brasileiras
“A tecnologia faz parte da sociedade como um todo, independentemente de classe social, de origem cultural ou endereço. Todo cidadão tem direito a vivenciar esse contexto e explorar a potencialidade das tecnologias, não importando se ele mora em uma zona urbana ou rural”. É assim que a professora da faculdade de Educação da UFBA (Universidade Federal da Bahia) Maria Helena Bonilla começa a explicar seu entendimento sobre a importância da tecnologia e da internet chegarem às zonas rurais brasileiras. Para discutir o tema e mostrar como a tecnologia pode ajudar a enfrentar os desafios da educação rural, o Porvir começa a publicar hoje uma nova série de reportagens, chamada Tecnologia no Campo, realizada em parceria com a Fundação Telefônica.
Segundo o Censo Escolar 2013, divulgados pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas), apenas 9,9% das 76.229 escolas brasileiras existentes no campo possuem acesso à internet. Em áreas urbanas, o número chega a 84%.
Esses dados mostram a diferença entre os contextos e reforçam a necessidade de ampliar a conectividade em zonas remotas. “É preciso combater o pensamento de que o campo é atrasado e que a vida na cidade é mais avançada. Não é questão de atraso, são formas diferentes de viver, cada uma com suas especificidades”, argumenta Bonilla. A professora defende que sejam implantadas mais políticas públicas para levar tecnologia e conexão para o campo, que via de regra são as regiões mais desassistidas no que diz respeito a recursos tecnológicos.
Com esse objetivo, a Fundação Telefônica realiza o programa Escolas Rurais Conectadas, que leva conectividade para zonas rurais. Iniciado em 2012, o projeto primeiramente forneceu internet e infraestrutura para 100 escolas públicas de sete estados (Alagoas, Bahia, Pernambuco, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo). Este ano, com a compra pela empresa das licenças para oferta de serviços de 4G, veio junto a obrigação de levar telefonia e internet (banda larga 3G) para regiões remotas do país. A Telefônica ficou responsável pelo serviço em nove estados: Alagoas, Ceará, Minas Gerais, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Sergipe e São Paulo, o que abrange cerca de 22 mil escolas rurais. Outras operadoras ficaram responsáveis por demais regiões.
“É preciso combater o pensamento de que o campo é atrasado e que a vida na cidade é mais avançada. Não é questão de atraso, são formas diferentes de viver, cada uma com suas especificidades”
“Existe uma questão de urgência nesse projeto. Temos que melhorar as escolas hoje, para que o aluno que estuda hoje tenha uma experiência mais completa de aprendizagem. Do ponto de vista macro, levar tecnologia e acesso à internet para escolas do campo mexe na maneira que os professores dão suas aulas, eles passam a ter mais condições de pesquisar e planejar atividades diferentes, mais conectada com o futuro, com um repertório ampliado, mais interativo e lúdico”, conta Gabriela Bighetti, presidente da Fundação Telefonica.
Para a professora Bonilla, a escola é um dos principais meios para que a tecnologia e a internet sejam difundidas. “É o local onde estão os jovens, se na escola tem esses recursos, eles vão utilizar. É uma forma de fazer isso chegar mais rápido aos cidadãos”, afirma. Segundo ela, se esse acesso e a inclusão digital depender apenas da aquisição pessoal, vai demorar muito para acontecer.
Salas de aula multisseriadas
Um dos grandes desafios da educação no campo é a grande quantidade de salas de aula multisseriadas. 71,4% das escolas possuem classes deste tipo, em grande parte, devido ao elevado número de alunos com defasagem idade/série – apenas nos anos finais do ensino fundamental, 43% dos estudantes estão atrasados em relação a sua idade.
Mas a tecnologia pode ajudar a transformar o que aparentemente é um problema em vantagem. Existe hoje um debate a respeito da divisão de turmas por séries e se essa é a melhor maneira de agrupar estudantes. Escolas inovadoras como o Gente, no Rio de Janeiro, e o Projeto Âncora, em São Paulo, já abandonaram essa estruturação e misturam alunos de diferentes períodos no mesmo ambiente de aprendizagem.
“Escolas urbanas estão quebrando suas paredes para terem uma espécie de salas multisseriadas. Existe um lado muito positivo em juntar alunos de diferentes idades no mesmo ambiente”, enfatiza Bighetti. Ela partilha da opinião de muitos especialistas em educação, que dizem que, com o suporte e com recursos apropriados, não é a idade que tem que definir onde o aluno deveria estar e o que deveria estar aprendendo em cada momento, mas sim, seus interesses, seu desempenho e seu ritmo. “As plataformas adaptativas são um exemplo de tecnologia que pode auxiliar o professor a conseguir olhar aluno por aluno, ao mesmo tempo, mesmo que cada um esteja em uma trajetória diferente”, destaca a presidente.
“A tecnologia não é apenas para ter acesso a cultura da cidade. Ela tem que ser vista e recebida para que essas pessoas também possam se colocar como produtores culturais, em suas próprias percepções. Isso fortalece e valoriza a cultura do campo”
Já Bonilla ressalta que o acesso à internet vai permitir que alunos desse tipo de sala façam uso de objetos digitais de aprendizagem e que isso enriquecerá a experiência educacional deles, pois vão poder trocar conhecimento sobre conteúdos com colegas de classe, com estudantes de outras classes e até de outras escolas, provenientes de outros contextos culturais. “O grande ganho do uso de tecnologias na escola não é usá-la como ferramenta para ensinar matemática, por exemplo, na mesma perspectiva que sempre se ensinou. É a chance de pensar diferente, pensar em partilha, de usar os ambientes virtuais para uma aprendizagem colaborativa, que preze a comunicação”, diz.
Outra porta importante que o acesso à internet abre para essas comunidades é a possibilidade de criação de uma identidade própria nesse mundo virtual. Além de consumir conteúdos, os moradores de zonas rurais passam a ter a possibilidade de produzir conteúdos sobre sua realidade e cultura. “A tecnologia não é apenas para ter acesso a cultura da cidade. Ela tem que ser vista e recebida para que essas pessoas também possam se colocar como produtores culturais, em suas próprias percepções. Isso fortalece e valoriza a cultura do campo”, completa a professora.
Ao longo da série Tecnologia no Campo vão ser abordados temas como a questão da formação dos professores, assim como experiências de escolas rurais que estão sendo impactadas através do uso de recursos tecnológico e conectividade.
Veja, a seguir, infográfico com os principais dados sobre a educação nas zonas rurais: