sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Formação docente: O impacto na pedagogia



Como as novas abordagens pedagógicas surgidas a partir do uso tecnológico estão alterando o processo de ensino-aprendizagem nas salas de aula brasileiras

Paula Ribeiro e Luciana Zenti

Em recente pesquisa rea­lizada pelo Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), pais e alunos declararam acreditar que a tecnologia pode ser uma das ferramentas para melhorar a qualidade da educação no Brasil. Também é cada vez mais comum que os estudantes cheguem com seus dispositivos móveis no ambiente escolar. Em inegável momento de pressão pelo uso de ferramentas digitais em sala de aula, cabe perguntar: até que ponto a tecnologia está influenciando a pedagogia? As novas abordagens que começam a aparecer como “modas” no processo ensino-aprendizagem vão realmente alterar a relação professor-aluno?
Em um cenário onde o uso desses dispositivos em sala de aula é incipiente, e as pesquisas de avaliação de impacto ainda estão em estágio inicial, questões como essas estão sendo formuladas e suscitam todo tipo de reação, inclusive a resistência. Se por um lado a tecnologia parece uma “onda” invadindo a escola, por outro a instituição escolar tem natural receio de mudanças. Mesmo assim, especialistas, professores e gestores podem pressentir que elas estão acontecendo. É o que Alexandre Barbosa, gerente do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (CETICbr.), chama de “revolução silenciosa”. “Há um movimento de mudança, é claro que não na velocidade que gostaríamos, mas as escolas estão nesse movimento muitas vezes silencioso.”
Para Alexandre, o principal impacto na ciência da educação será a passagem para a construção coletiva do conhecimento – um desafio atual que afeta a escola, quer ela queira, quer não. “A escola certamente vai ser reinventada. Passará de uma escola menos focada na aquisição de conhecimento individual para uma conhecimento mais coletivo”, exemplifica.
Para a professora em Educação, Comunicação e Tecnologia, da Universidade de Brasília (UnB), Laura Maria Coutinho, os alunos são os principais agentes dessa transformação em curso. “Minha hipótese é a de que os alunos já trazem para a sala de aula seus equipamentos conectados [e isso contribui para as mudanças].” Para ela, esse é um movimento em ascensão. “Cada vez mais, vamos ter acesso aos meios digitais. E vamos ter de lutar para que isso ocorra porque é parte da democratização da educação.”

Uma teoria alternativa
Em dezembro de 2004, o canadense George Siemens, juntamente com Stephen Downes, lançou um novo conceito de aprendizagem no texto intitulado Conectivismo: Uma teoria de aprendizagem para a idade digital. No texto, Siemens critica o behaviorismo, o cognitivismo e o construtivismo como as três grandes teorias da aprendizagem mais frequentemente usadas na criação de ambientes instrucionais, sendo que as três foram desenvolvidas em um tempo em que a aprendizagem não sofria o impacto da tecnologia – que hoje realiza muitas das operações cognitivas anteriormente realizadas pelos aprendizes, como armazenamento e recuperação de informação.
Siemens reflete que um dogma central da maioria das teorias de aprendizagem é a ideia de que a aprendizagem ocorre dentro da pessoa. “Mesmo a visão construtivista social, que defende que a aprendizagem é um processo rea­lizado socialmente, promove a primazia da pessoa (e sua presença física – i.e. baseado no cérebro) na aprendizagem. Estas teorias não abordam a aprendizagem que ocorre fora da pessoa (i.e. aprendizagem que é armazenada e manipulada através da tecnologia). Elas também falham em descrever como a aprendizagem acontece dentro das organizações”, escreve.
Segundo a nova teoria, posteriormente sistematizada no livro Knowing Knowledge (2006), o conhecimento não é um objetivo ou um estado que pode ser alcançado ou através do raciocínio ou das experiências. Considerando que a produção do conhecimento cresceu exponencialmente, os indivíduos devem aprender a acessá-los. “Não podemos mais, pessoalmente, experimentar e adquirir a aprendizagem de que necessitamos para agir. (...) Para aprender, em nossa economia do conhecimento, é necessário ter a capacidade de formar conexões entre fontes de informação e daí criar padrões de informação úteis. (...) Este ciclo de desenvolvimento do conhecimento (da pessoa para a rede para a organização) permite que os aprendizes se mantenham atualizados em seus campos, através das conexões que formaram”, descreve.
Para o professor aposentado da USP e especialista em inovação na educação, José Moran, a teoria de Siemens e Downes ainda são estudos parciais acerca da nova realidade, muito recente. As mudanças pelas quais passa o campo educacional, entretanto, não desvalidam as teorias interacionistas idealizadas por pensadores como J. Piaget, Lev Vigotski e Paulo Freire, que defendem que a aprendizagem é fruto da interação do aprendiz com as pessoas do mundo. “As teorias continuam válidas, mas começam a ser adaptadas a um mundo conectado, no qual podemos aprender em espaços, tempos e de formas muito diferentes, num contínuo entre o encontro físico e digital, impensável décadas atrás”, avalia.

Mudanças em curso
Há mais de três décadas, o antropólogo, sociólogo e filósofo francês Edgar Morin tem pensado as mudanças globais da contemporaneidade, entre elas o avanço da tecnologia da informação. Longe de citar a tecnologia como reformadora da educação, sua aposta é no pensamento complexo (aquilo que é pensado em conjunto), e na ideia de totalidade (contra a fragmentação dos saberes). Sua teoria, indicada, entre outros, no livro Os sete saberes necessários à educação do futuro (Cortez Editora), aponta para a necessidade de os professores religarem os seres e os saberes. Seriam as novas tecnologias instrumentos propulsores – e não veículos – para o professor se apoiar em tais mudanças?
“Vejo para o futuro uma educação integral, com níveis distintos de qualidade e intencionalidade pedagógica. O ensino ficará menos teórico. Será mais vivencial”, diz Anna Penido, diretora do Instituto Inspirare. Para ela, na prática isso se manifestará em menos aulas expositivas. “Haverá mais projetos, mais experiências em laboratórios. Serão criadas coisas a partir do conhecimento, do teste de hipóteses. O conhecimento será mais vivido e a ênfase na teoria diminuirá.”
Por ora, o impacto desse pensamento se dá em diversas abordagens que, em comum, têm no uso da tecnologia o cerne para promover práticas que se coadunam em eixos similares: ensino personalizado (ou aprendizado adaptativo), compartilhamento de saberes e descentralização da sala de aula como único ambiente de aprendizagem. Entretanto, elas não devem ser vistas separadamente – o importante é que o recurso escolhido esteja adequado ao planejamento e aos objetivos pedagógicos traçados pelo professor, e não o contrário (a aula planejada para a utilização da ferramenta).

No mundo real
As opções que se apresentam aos professores são cada vez mais globais, e normalmente vindas de países imersos na cultural digital. Em 2012, o editor da revista Wired­ e autor do best-seller A cauda longa, Chris Anderson, lançou o livro Makers – A nova revolução industrial (Elsevier). Segundo sua teoria, “os últimos dez anos foram de descobertas de novas maneiras de criar, de inventar e de colaborar na web. Os próximos dez anos serão de aplicações desses ensinamentos no mundo real”. Já aportado no campo educacional, o movimento “maker” ou “faça você mesmo” preconiza que alunos e professores desenvolvam os projetos que desejarem (leia mais na página 42).
“Devemos repensar a divisão em disciplinas, aulas, conteúdos programáticos e a ideia da sala de aula como único espaço da aprendizagem”, acredita Adolfo Tanzi Neto, consultor pedagógico e de pesquisas da Fundação Lemann.
A mudança, porém, é ampla e afeta a concepção da própria escola e do trabalho docente. Em meados de 2009, o educador português António Nóvoa publicou o livro Professores: Imagens do futuro presente (Lisboa: Educa). Para ele, desenha-se neste momento um novo espaço público da educação, onde deverá ser firmado um novo contrato entre os professores e a sociedade, no qual os professores devem assumir uma nova capacidade de comunicação e um reforço da sua presença pública. Neste contexto, o “bom professor” ganha relevância, definindo-se em função de cinco características: conhecimento, cultura profissional, tato pedagógico, trabalho em equipe e compromisso social.

Educação em rede
A tarefa de religar diretores, coordenadores e professores em torno de um mesmo projeto tem se materializado em currículos desenvolvidos a partir da integração de mídias e tecnologias digitais de informação e comunicação, chamado de “webcurrículo” por alguns especialistas. Segundo a pesquisa TIC Educação 2013, os professores já estão ligados nesse movimento: 96% dos docentes de escolas públicas usam ferramentas on-line para preparar aulas ou atividades do dia a dia. Mas a maior prova dessa mudança talvez seja o crescente compartilhamento de conteúdos, chamados de Recursos Educacionais Abertos (REA) (leia mais na página 54).
“O grupo de professores terá de se valorizar, trocar ideias, falar sobre seus dilemas. E tudo isso em rede, conectado, para aprender com outras realidades e trazer para a sua os exemplos que estão dando certo”, diz Priscila Gonsales, diretora-executiva do Instituto Educadigital. Para Priscila, um dos impactos na relação professor-aluno é o compartilhamento de experiências. “O professor não precisa aprender primeiro para depois passar o conhecimento. Todos podem aprender juntos”, acredita.
Quando contemplam diversos recursos multimídia – vídeo, som e imagem –, os materiais didáticos começam a responder a uma das demandas mais contemporâneas da educação: o ritmo e a forma de aprendizagem de cada aluno. “A principal vantagem do uso desses materiais está no fato de promover autonomia e protagonismo de maneira efetiva para os alunos, pois eles têm controle do objeto analisado, desde o horário até o local e a forma com que irão desenvolver o conteúdo”, diz Ailton Luiz Camargo, professor de história do Colégio Objetivo Sorocaba e da rede municipal de Iperó (SP).
Nesse sentido, uma das fortes tendências apontadas por especialistas é o ensino híbrido, em que se mesclam aulas presenciais com atividades virtuais personalizadas: pode ser uma videoaula sobre um tópico em que o aluno está com dificuldade, um jogo pedagógico para aprofundar um conteúdo ou um curso on-line inteiro. “A ideia é que educadores e estudantes ensinem e aprendam em tempos e locais variados”, explica Lilian Bacich, que pesquisa o tema no seu doutorado em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento na Universidade de São Paulo (USP).

Princípios do conectivismo
* Aprendizagem e conhecimento apoiam-se na diversidade de opiniões;
* Aprendizagem é um processo de conectar nós especializados ou fontes de informação;
* Aprendizagem pode residir em dispositivos não humanos;
* A capacidade de saber mais é mais crítica do que aquilo que é conhecido atualmente;
* É necessário cultivar e manter conexões para facilitar a aprendizagem contínua;
* A habilidade de enxergar conexões entre áreas, ideias e conceitos é fundamental;
* Atualização (currency – conhecimento acurado e em dia) é a intenção de todas as atividades de aprendizagem conectivistas;
* A tomada de decisão é, por si só, um processo de aprendizagem. Escolher o que aprender e o significado das informações que chegam é enxergar através das lentes de uma realidade em mudança. Apesar de haver uma resposta certa agora, ela pode ser errada amanhã devido a mudanças nas condições que cercam a informação e que afetam a decisão.

Independentemente da abordagem utilizada, as questões levantadas por pensadores e professores em sua prática diária ainda precisarão de tempo para obter respostas duradouras. Em momentos de mudanças, é natural que as tentativas de adaptação sejam permeadas pelo erro-acerto. Mas, assim como estão ocorrendo transformações nas relações pessoais no espaço social, elas parecem irreversíveis no ambiente educacional. Resta saber como serão processadas.
Veja algumas dessas possibilidades.

http://revistaeducacao.uol.com.br/textos/211/artigo330334-1.asp

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