Especialistas apontam brechas em projeto e defendem a aplicação do Plano Nacional de Educação
Os dados do Atlas de Desenvolvimento Humano no Brasil 2013, produzido pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD , não negam: o Brasil ainda é um país muito desigual. O ranking estadual do Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) apresentado no levantamento pode ser dividido em duas partes: da 1ª até a 11ª posição, onde ficam os estados das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, e do 12º lugar até o último, onde ficam os estados do Nordeste e Norte.
Essa disparidade entre estados pode ser sentida em todos os indicadores sociais, como, por exemplo, nos relacionados à educação. No Brasil, a média nacional da taxa de cobertura de creche é de 22,53%. O estado com melhor colocação nesse índice é Santa Catarina, com 39,23% das crianças de zero a três anos do estado matriculadas nessa etapa de ensino e, o pior, é o Amapá, com apenas 5,15%. Trata-se de uma diferença alarmante.
Além disso, no país, a média de alunos que abandonam o ensino médio antes de concluírem seus estudos é de 48,4%. O estado onde esse índice é mais baixo é São Paulo, com taxa de abandono de 32,9%, e o mais alto é Alagoas, com 67,4%.
Com o objetivo de diminuir as diferenças educacionais do país, o senador Cristovam Buarque (PDT-DF) apresentou, em dezembro do ano passado, o PDS 460/2013, que prevê a realização de um plebiscito para consultar o eleitorado nacional sobre a transferência da responsabilidade do financiamento da educação básica para a União. O projeto tramita agora na Comissão de Assuntos Econômicos e aguarda o parecer da relatora, senadora Gleisi Hoffmann.
Cristovam Buarque defende a federalização da educação básica por entender que, apesar da maior parte da arrecadação tributária do país ser destinada à União, estados e municípios são responsáveis pela quase totalidade do financiamento da educação infantil e dos ensinos fundamental e médio no Brasil.
Para o senador, toda criança tem o direito de ter acesso a uma escola que ofereça a mesma qualidade e recursos, independente da renda familiar ou do local onde mora. Mas, em sua opinião, é impossível conseguir essa igualdade deixando o investimento em educação aos cuidados de municípios e estados tão desiguais entre si.
De acordo com a publicação “Educação pública de qualidade: quanto custa esse direito?”, produzida pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, uma escola de qualidade precisa ter uma estrutura adequada, com salas de aulas suficientes para atender seus alunos de maneira adequada, bibliotecas com acervo de qualidade, quadra coberta, laboratório de informática, etc. Entretanto, essa não é a realidade de todas as escolas do país.
A fim de garantir que essa qualidade comum seja alcançada, Cristovam Buarque propõe a federalização da educação básica, que deve ser acompanhada da criação da Carreira Nacional do Magistério – com salário de R$ 9,5 mil para cada professor –, da construção de escolas bem equipadas e com infraestrutura moderna e da adoção da jornada de ensino integral. Para isso, o senador afirma que irá precisar de 6,4% do Produto Interno Bruto (PIB) em 20 anos. Vale mencionar que a Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014, que aprovou o Plano Nacional de Educação (PNE), prevê a destinação de 10% do PIB brasileiro para a educação, ao final do decênio do vigente plano.
“A federalização serve para fazer com que a educação seja oferecida em todas as cidades com a mesma qualidade. Hoje, ao nascer, a criança recebe um carimbo com CEP da cidade e o CPF da família. Dependendo de onde nasce tem acesso a oportunidades distintas. Isso é uma injustiça”, diz o senador autor do projeto.
É importante destacar que, de acordo com o projeto do senador, a federalização deve ter descentralização gerencial. “Federalizar não significa centralizar. As escolas devem ter liberdade pedagógica. Além disso, é a escola que irá decidir como será aplicada a verba repassada por meio de um comitê gestor formado por diretores, professores e pais”, explica.
Entretanto, segundo o senador, apesar de propor uma grande melhoria na educação do Brasil, a proposta enfrenta muita resistência. “O maior desafio é convencer as pessoas de que o país precisa de uma revolução educacional e não apenas de uma melhora no sistema de ensino. As pessoas não aceitam com facilidade mudanças. Por mais claro que seja, é difícil convencer estados e municípios de que eles não têm capacidade de garantir a qualidade da educação e pagar um bom salário ao professor, convencer os sindicatos de que o modo como é garantida a estabilidade do educador precisa mudar”, conta Cristovam Buarque.
Especialistas apontam problemas para a aplicação da proposição legislativa
Uma das principais dificuldades apontadas por especialistas para a efetivação da proposta é o impacto que ela causará na capacidade de gestão da União.
“Uma coisa é administrar uma rede de escolas federais de educação básica hoje, com poucas centenas de unidades, outra é administrar milhares de escolas em um país com dimensões continentais. Isso irá impactar muito a capacidade de gestão do MEC [Ministério da Educação]”, afirma o deputado federal, Paulo Rubem Santiago (PDT-PE).
Para a presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), Cleuza Rodrigues Repulho, outro impasse que a proposta pode criar é a dificuldade para a efetivação da participação popular. “Hoje com a gestão localizada nos municípios, os pais e as famílias podem falar com os gestores mais facilmente. Como faremos isso com a federalização? Na Região Norte, por exemplo, que é extensa, com rios e floresta, as pessoas terão que se deslocar para ter esse diálogo? Esse caminho fica muito mais difícil”, argumenta Repulho.
O deputado Paulo Rubem Santiago também enxerga essa possível dificuldade “Como será a participação popular nesse processo de federalização? Como será feito o controle social, a participação dos conselhos de escola, conselhos de educação?”, questiona o parlamentar.
Para o coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, a proposta do senador Cristovam Buarque é provocadora, mas possui pouca materialidade. “Penso que o caminho seja a União cumprir com o que a Constituição já diz sobre o regime de colaboração. O PNE, recentemente sancionado, constrói um instrumento para efetivar esse mecanismo: o CAQ [Custo Aluno-Qualidade]. Não vejo como abrir mão desse princípio em nome de uma tese”, explica.
Segundo o deputado Paulo Rubem, a proposta gera uma discussão importante, porém, ele afirma não ter uma adesão entusiasmada com o projeto. “A federalização não dialoga com o que a sociedade discutiu nesses últimos anos com o PNE. Foi realizada uma infinidade de audiências públicas sobre esse tema. Não podemos simplesmente desconsiderar o resultado de todo esse processo”, pondera o parlamentar.
A presidente da Undime acredita que a melhor estratégia para melhorar a educação no país seja a aplicação concreta do PNE. “O Plano aponta questões que são importantes e estratégicas para o Brasil garantir a qualidade da educação, principalmente no que diz respeito ao financiamento, com as propostas do CAQ e dos 10% do PIB para a área”, comenta Cleuza Repulho.
O coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, por sua vez, afirma que o PNE não é uma lei milagrosa, mas dá conta de uma melhoria possível e apresenta metas para que o quadro educacional brasileiro melhore de maneira mais rápida. Por fim, Daniel Cara lembra que para que o PNE dê certo é preciso agora que todos realizem o controle social e exijam que os governantes, em todos os níveis da Federação, cumpram com as obrigações estabelecidas no Plano.
Autor: Fundação Abrinq
http://undime.org.br/proposicao-legislativa-defende-a-federalizacao-da-educacao-basica-no-brasil/