Mozart Neves Ramos, diretor de articulação e inovação do Instituto Ayrton Senna
O grande desafio brasileiro na área da educação está no ensino médio, na escola do jovem. O país está estagnado desde a década de 1990, quando as medições de desempenho escolar se tornaram mais regulares e transparentes. A título de exemplo, dos alunos que terminam a última etapa da educação básica, apenas 27 de cada 100 aprenderam o que seria esperado em língua portuguesa; em matemática, apenas nove.
Os estados que deram alguma demonstração mais recente de sair da estagnação, como Pernambuco e Rio de Janeiro, com base no último Ideb, vêm investindo nas escolas de tempo integral (o que não significa apenas passar mais tempo na escola). Dadas as restrições do período noturno, a política de tempo integral não se adequaria. A grande questão que se coloca é: que modelo de escola o país deveria oferecer aos alunos do noturno?
O problema é urgente, já que se trata de 2,4 milhões de jovens matriculados no período, ou seja, 33% do total de alunos do ensino médio. Com base no Censo Escolar, 67% deles exercem algum tipo de trabalho e, se não tiverem formação adequada, não conseguirão manter o emprego em face das frequentes descontinuidades tecnológicas. Com isso, o exército dos nem-nem, que nem estudam nem trabalham — quase 10 milhões de jovens de 15 a 29 anos —, só tende a aumentar. Bomba social de efeito retardado.
Os dados evidenciam que existe diferença significativa no perfil dos alunos de cada turno. Os do período noturno são mais velhos e com elevada taxa de defasagem idade/série em decorrência, principalmente, da alta taxa de abandono escolar.
Enquanto a taxa de distorção idade/série é de 33% na rede pública do ensino médio, olhando separadamente para cada turno, chega-se à taxa de 23% dos alunos diurnos e 53% dos noturnos. Isso significa que mais da metade dos que estudam à noite está dois ou mais anos atrasada em relação à idade correta para a série cursada.
Se os alunos do ensino médio diurno já têm desempenho escolar pífio, os do noturno têm resultado ainda pior. A diferença entre os estudantes dos cursos diurno e noturno é, em média, de 23 pontos da escala Saeb em matemática e 24 pontos em língua portuguesa. Para se ter ideia do que corresponde, a diferença de pontos significa atraso de um ano e meio de escolaridade por parte dos alunos do noturno.
Usando a base do Enem de 2009, de acordo com a qual se pode diferenciar os estudantes do diurno e do noturno no ensino médio, dos 561.831 inscritos como concluintes na modalidade de ensino regular, 28,4% estavam matriculados no período noturno. Considerando todos os alunos, as notas entre os que cursavam o ensino diurno foram 26,5 pontos mais altas do que as do noturno.
O drama do ensino médio noturno foi revelado por pesquisa do Instituto Ayrton Senna, que agora está sendo disponibilizada para cada estado da Federação, mostrando a situação local. Assim, se quisermos ter, de fato, um ensino médio de qualidade com equidade, precisamos, necessariamente, pensar numa política para os alunos do noturno — política que leve em consideração o fato de eles trabalharem e serem, em média, três anos mais velhos que os do diurno.
É preciso pensar em oferta mais flexível de disciplinas, incorporando, por exemplo, a metodologia de ensino a distância (EaD). Além disso, não podemos deixar de levar em conta o problema da mobilidade urbana — o deslocamento do trabalho à escola. Incorporar ao contexto curricular atividades vinculadas ao mundo do trabalho também seria recomendável. Esses aspectos exigem pensar fora da caixa, de modo a obter solução adequada para os alunos do ensino médio noturno.