terça-feira, 19 de agosto de 2014

Brasileiro: 'analfabeto' científico?

Novo índice mostra que a ciência influencia a forma de ver o mundo e de lidar com situações complexas de apenas 5% dos avaliados, enquanto mais da metade sequer consegue aplicar o que aprendeu na escola em situações cotidianas.
Por: Marcelo Garcia
Desempenho brasileiro no primeiro Índice de Letramento Científico mostra que ciência não está integrada ao cotidiano do brasileiro. (foto: Flickr/ Fortimbras - CC BY-NC-ND 2.0)
Como você avalia a sua capacidade de utilizar o conhecimento científico para resolver questões do dia a dia? E para fazer abstrações, criar hipóteses, planejar e inovar? Em um mundo em que a ciência e a tecnologia estão cada vez mais presentes, em que a sociedade é chamada a se posicionar sobre grandes questões como pesquisas com células-tronco e cultivo de transgênicos e no qual inovar é a palavra de ordem das empresas, essas questões são fundamentais. Mas, segundo a primeira edição do Índice de Letramento Científico (ILC), no Brasil é muito baixa a quantidade de pessoas ‘letradas’ em ciências, capazes de empregar os conhecimentos escolares no seu cotidiano e no planejamento do futuro.  
Bem diferente das avaliações de ensino existentes no Brasil, a proposta do ILC é medir quanto do conhecimento escolar é de fato aplicado na prática. Para seus criadores, o resultado negativo ajuda a entender alguns gargalos sociopolíticos e econômicos do país, como a baixa capacidade de inovação. O índice, cuja versão completa foi divulgada recentemente (clique para ver), é fruto de uma parceria entre o Instituto Abramundo, o Instituto Paulo Montenegro, responsável pela ação social do Grupo Ibope, e a ONG Ação Educativa.  
O maior desafio foi traduzir o domínio de conceitos científicos em perguntas diretas e práticas para agrupar os participantes em faixas claras e facilitar ações posteriores
Para sua construção, foram aplicados questionários a 2002 pessoas entre 15 e 40 anos, com ao menos quatro anos do ensino fundamental completos, em oito capitais estaduais e no Distrito Federal. O questionário era composto por mais de 60 perguntas, que avaliaram a capacidade de identificar simples informações explícitas em texto, tabela ou gráfico (como consumo de energia ou dosagem em bula de remédio), de comparar informações simples para tomar decisões; de empregar informações não explícitas para resolver problemas práticos e processos do cotidiano e, ainda, de propor e analisar hipóteses sobre fenômenos complexos, mesmo não diretamente ligados ao seu dia a dia. A partir das respostas, os participantes foram classificados por nível de letramento: ausente, elementar, básico e proficiente.
O maior desafio foi traduzir o domínio de conceitos científicos em perguntas diretas e práticas para agrupar os participantes em faixas claras e facilitar ações posteriores. A metodologia aplicada foi adaptada do Índice de Analfabetismo Funcional (IAF), também produzido pelo Instituto Paulo Montenegro e que avalia os conhecimentos de português e matemática na prática. A ideia é que a avaliação seja repetida a cada dois anos.

Resultados preocupantes

De forma geral, 79% dos participantes ficaram na zona intermediária (48% no nível 2 e 31% no nível 3), enquanto 16% apresentaram letramento ausente (nível 1) e apenas 5% do total se mostraram de fato proficientes em ciência. O índice torna clara a dificuldade de grande parte dos entrevistados em realizar tarefas simples: 43% deles declararam ter problemas para compreender gráficos e tabelas, enquanto 48% acham difícil interpretar rótulos de alimentos. Entre aqueles com ILC elementar (mais comum), 58% tem problemas, por exemplo, para consultar dados sobre saúde e medicamentos na internet. 
Ciência na gestão pública
Resultado ruim mesmo entre gestores públicos mostra que pensamento científico pouco influencia suas decisões, o que pode ter consequências negativas em todos os campos, da própria educação à saúde, ao saneamento e ao planejamento urbano, por exemplo. (foto: Flickr/ Samchio – CC BY-NC-SA 2.0)

Os resultados também foram relacionados ao nível de formação e à área de atuação dos entrevistados – e ficam ainda mais preocupantes, já que os indivíduos com ensino superior considerados proficientes em ciência foram apenas 11%, enquanto 48% estão no nível 3, 37% no nível 2 e quase inacreditáveis 4% apresentaram letramento ausente.
Em relação ao mercado de trabalho, as áreas de administração pública, educação e saúde alcançaram o melhor resultado, apesar de pouco animador: 43% das pessoas têm letramento básico e 9%, proficiente. Na indústria e na prestação de serviços, 42% e 31% dos trabalhadores ficaram no nível 3, enquanto apenas 5% e 6% eram proficientes, respectivamente. 
A diretora executiva do Instituto Paulo Montenegro, Ana Lucia Lima, diz ter ficado surpresa com a baixa proficiência dos indivíduos mais escolarizados e dos tomadores de decisões, empreendedores e empresários, envolvidos diretamente no investimento e planejamento de atividades que vão desde o descarte do lixo à gestão da saúde e da educação. “Os dados mostram que o aprendizado fica restrito à escola e é preocupante que a ciência influencie tão pouco a visão de mundo dessas pessoas, sua atividade cotidiana e as decisões que tomam”, avalia.

Consequências adversas

Para os responsáveis pelo ILC, os impactos do cenário apontado pelo índice vão desde questões cotidianas a problemas que abrangem a vida econômica e social do país. “No dia a dia, isso se manifesta quando a cabeleireira usa um produto que ela deveria saber que faz mal ou quando os pais medicam os filhos por conta própria sem pensar nos efeitos colaterais ou nas interações entre medicamentos”, exemplifica Lima.
Garcia: “Os reflexos também aparecem na pífia capacidade de inovação de nossas empresas: os trabalhadores pouco refletem sobre seu trabalho, não desafiam ostatus quo
“Os reflexos também aparecem na pífia capacidade de inovação de nossas empresas: os trabalhadores pouco refletem sobre seu trabalho, não desafiam o status quo”, afirma Ricardo Uzal Garcia, presidente do Instituto Abramundo. “Além disso, o brasileiro não parece, em geral, preparado para opinar sobre grandes temas da ciência nem para tomar decisões cada vez mais necessárias sobre temas como transgênicos e células-tronco.”
Lima aponta ainda a formação de um gargalo de mão de obra no país e faz um alerta para o futuro. “Os empregos no país têm aumentado, mas apenas as vagas pouco especializadas; cargos melhores permanecem ociosos também pela inexistência de um pensamento científico aplicado, necessário para tais posições”, analisa. “Algo precisa ser feito para mudar essa situação, pois se nossos gestores tomam decisões que pouco consideram o conhecimento científico, a ciência nunca será valorizada como deve e isso continuará a impactar a inovação, a saúde, o meio ambiente e todas as áreas.”  

Ensino de ciências

Junto com o índice, também foi feita uma pesquisa de percepção pública da ciência, cujo resultado é significativo: apesar do fraco desempenho no ILC, os participantes reconhecem a importância da ciência para a compreensão de mundo (42% concordam plenamente e 30% concordam em parte) e para obter boas oportunidades de trabalho (41% e 27%, respectivamente). “As pessoas têm interesse e acham a ciência importante, mas não vão a fundo porque não se sentem competentes”, avalia Lima. “É uma pista importante de que há algo errado na formação dos estudantes”, completa Garcia.
Uma olhada em outros indicadores de ensino reforça a má situação do país na área: no Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos), por exemplo, um dos piores desempenhos do Brasil é em ciências (59º entre 65 países).
Ciência para crianças
Para melhorar o índice, segredo pode estar em investir mais no ensino fundamental e buscar maneiras de manter o interesse dos jovens pela ciência. (foto: Flickr/ emeryjl - CC BY 2.0)

Lima recupera a história da educação no país para explicar a situação atual. “O ensino se tornou um grande desafio a partir da década de 1990, pois sua universalização incluiu pessoas historicamente segregadas, famílias com níveis muito baixos de escolaridade”, afirma. A mudança, segundo ela, levou a um natural privilégio do ensino de português e de matemática, por serem competências mais básicas. “Em 25 anos, os avanços nessas áreas ainda não foram suficientes, mas ainda assim acredito que já seja hora de avançar para outros campos, e a ciência é a candidata natural para receber mais atenção.”
Lima:  “Como matamos essa curiosidade natural? Deve haver muita coisa errada, do currículo à forma de ensinar.”
Um dado que se destaca no ILC é o desempenho semelhante de indivíduos com ensino fundamental e com ensino médio – 50% de pessoas do primeiro grupo têm letramento elementar, contra 52% no segundo, que também conta com 15% de pessoas com letramento ausente. Para Lima, as conversas com professores dão pistas sobre os motivos por trás desse resultado, por reforçarem que nas séries iniciais as crianças adoram ciências, mas perdem o interesse depois. “O desempenho no ensino médio deveria ser proporcional ao investimento maior, com professores especialistas e maior carga horária”, diz. “Como matamos essa curiosidade natural? Deve haver muita coisa errada, do currículo à forma de ensinar.”
Garcia ressalta a necessidade de criação de programas de ensino voltados para as séries mais baixas. “O impacto da iniciação científica de qualidade desde as primeiras séries pode ser fundamental para despertar o gosto por ciências no futuro”, diz.  
Os organizadores também apostam na educação não formal e na parceria com a iniciativa privada para tentar mudar esse quadro. “Precisamos criar museus e centros de ciência para estimular uma cultura científica que hoje não existe”, defende o presidente da Abramundo. “Podemos pensar, por exemplo, em exposições sobre os ciclos do petróleo ou da agricultura, áreas em que atuam empresas enormes.” Lima conclui: “O problema não é só da escola, já que muitas pessoas não voltarão à sala de aula; é aí que a ação de igrejas, sindicatos e empresas pode ser fundamental.”
Marcelo Garcia
Ciência Hoje On-line

http://cienciahoje.uol.com.br/noticias/2014/08/brasileiro-analfabeto-cientifico

Boas práticas: Tradição inovadora

Escola aposta no uso da internet para atrair o interesse dos alunos e a participação dos pais


Cristina Casagrande

Em Gurupi (TO), município de cerca de 80 mil habitantes a 223 quilômetros de Palmas, a Escola Estadual Presidente Costa e Silva é modelo de administração aliada a boas práticas pedagógicas. Com 346 estudantes, em sua maioria de baixa renda, a escola aumentou 38% seu Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) em dois anos, atingindo em 2009 a meta prevista para 2013: 5,1. 

Mas a unidade nem sempre foi modelo. Em 2006, o índice de evasão dos alunos era de 22% e as faltas, frequentes. Diante desse quadro, a equipe gestora, funcionários, professores, alunos e pais se mobilizaram para melhorar o ensino. A partir de um processo de comunicação e planejamento constante, a unidade incentivou a participação dos pais, utilizou a tecnologia para atrair o interesse dos alunos, acompanhou de perto a frequência e valorizou a formação docente e a dedicação exclusiva dos professores à escola.

Para a professora de língua portuguesa Joana D'Arc Maluf, o equilíbrio entre a tradição e inovação foram essenciais para o avanço da escola. "Nós temos bem definidos os papéis de gestores e educadores. Os alunos sabem que podem contar com o professor como um guia, como ocorre em qualquer instituição organizada. Por outro lado, buscamos ser criativos nas atividades, nos materiais e na infraestrutura da escola", explica.

No quadro de professores da unidade, 90% possuem alguma especialização e os que ainda não têm estão em início de carreira. O número de profissionais também mudou. Há cinco anos, havia 35 professores na escola que, hoje, conta com apenas 12 docentes. Isso porque todos os professores agora têm dedicação exclusiva à instituição. A dificuldade de realizar reuniões e conselhos com professores que lecionavam em várias escolas foi tema de debates e reflexão na unidade. Foi definido um horário semanal, no período noturno, para o planejamento, acompanhamento e avaliação das ações e, gradativamente, os professores foram ajustando seus horários para participar desses encontros e concentrando seu trabalho naquela unidade. 

"O número de aulas dos professores é o mesmo das outras escolas, mas garantimos a carga horária máxima a todos eles, por serem exclusivos da escola", explica Adriana. "Não oferecemos nenhum incentivo específico para que os professores concentrassem suas aulas nesta escola, mas sempre buscamos proporcionar a assessoria pedagógica necessária ao professor, diálogo e boas condições de trabalho como forma de reconhecimento." A diretora acredita ainda que quando os professores se dedicam apenas a uma escola, podem conhecer melhor os alunos e trabalhar de forma mais individualizada com eles. Além disso, a escola, que já atendeu à educação infantil e à alfabetização de adultos, decidiu focar-se nas aulas de 6o a 9o ano, para poder se dedicar mais a esses alunos. "Esse certamente foi um dos fatores de sucesso de gestão", diz Adriana.

Para controlar as faltas e a evasão escolar a unidade utiliza a tecnologia. As chamadas são feitas com um notebook, que é monitorado pela administração da unidade. Quando algum aluno falta, imediatamente a escola entra em contato com os pais pelo telefone. Se a falta ocorrer três vezes consecutivas, as famílias recebem visitas de algum funcionário da escola para saber o motivo e, quando possível, ajudar a família a resolver o problema.

Escola tecnológica
Para combater as faltas e a alta taxa de evasão, a coordenação da Costa e Silva foi buscar as razões da baixa frequência dos alunos e encontrou na curiosidade pela internet parte do desinteresse pelas aulas tradicionais. Foi então que a unidade decidiu lutar por uma oportunidade de ser uma das escolas piloto do projeto Um Computador por Aluno (UCA), do governo federal. E conseguiu. A escola ganhou 350 laptops, uma para cada aluno.

Segundo o coordenador do UCA, Claudonei das Neves, que assumiu o projeto desde seu início, em 2009, sua implantação foi realizada em conjunto com toda a  equipe. Juntos, tomaram a decisão de manter os computadores na própria escola, devido ao modelo de salas ambiente implantado. Os laptops ficam guardados nos armários das salas e cada aluno tem um login e senha para usar os computadores.

Na central do UCA, há 60 computadores disponíveis para os alunos usarem em horários fora das aulas, dependendo de seu desempenho escolar. "Há uma série de atividades que permitem que os alunos usem a internet, como tirar boas notas, ter um bom desempenho nas gincanas culturais, atividades sociais, entre outras", afirma a diretora Adriana. "Alguns chegaram a ganhar o direito de usar até oito horas de internet, de forma fragmentada ao logo do mês. Essa medida foi crucial para a erradicação da evasão em nossa escola e as faltas também diminuíram bastante", conta Claudonei. 

Para envolver toda a comunidade, muitas vezes os alunos levam os laptops para casa e ensinam seus pais, promovendo a inclusão digital também da família. Os computadores podem ser levados conforme agendamento e planejamento específico das aulas, e apenas se os pais autorizarem. Há ainda um projeto da escola em parceria com a Universidade Federal do Tocantins, que deve ter início em abril, para propiciar sinal de internet em todos os bairros de Gurupi, pois poucos alunos têm acesso à rede em casa. "Isso vai facilitar muito alguns trabalhos propostos", afirma o coordenador.

Participação
Segundo a professora Joana D'Arc, as áreas da instituição dialogam bastante entre si, o que colabora para o crescimento da escola. "Aqui não temos uma equipe gestora que se preocupa apenas com a parte administrativa e financeira, a diretoria está a par do pedagógico e do aprendizado também. Estamos interligados", ressalta.

Toda quarta-feira à noite os coordenadores e professores ficam à disposição nas escolas para atender os pais, orientá-los e conhecê-los. Para incentivar a participação, ao frequentar a escola, as famílias concorrem a prêmios de material escolar.

Após quatro conselhos de classe anuais, são realizadas orientações pedagógicas, em que os pais podem observar, por meio de gráficos, os resultados alcançados no decorrer do ano letivo. 

A escola ainda realiza anualmente uma gincana cultural, que conta com competições sociais, artísticas e esportivas. Algumas provas ocorrem de forma pontual em horários previamente agendados e outras duram todo o ano letivo como a disputa das turmas que têm maior frequência às aulas e melhor rendimento escolar. 

Gestão
A inovação reflete o contato com diferentes experiências em programas de gestão escolar pelas quais a unidade passou. De 2007 a 2011, a Costa e Silva participou do Projeto Liderança nas Escolas (Connecting Classrooms), uma parceria entre o Conselho Britânico e o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), que busca fortalecer a gestão escolar. Nesse projeto, a diretora era instigada a refletir sobre sua postura na unidade.  

"Uma das ações mais interessantes do projeto foi estar presente como diretora na sala de aula. Eu observava as aulas e fazia relatórios analisando o ensino, mas com cuidado para que isso não caracterizasse uma fiscalização, sem retorno para o docente, pois não era esse o objetivo", ressalta Adriana. "Observo a aula e, logo em seguida, converso com o professor. É importante mostrar as fragilidades, mas também apontar caminhos, elogiar e realçar seus pontos positivos. O chão da sala de aula é de fato um termômetro para a gestão da escola."

Administrar melhor o tempo foi outra ação importante estimulada na troca com o Conselho Britânico. Recentemente, a escola passou a formar salas ambiente, em que são os alunos que trocam de sala a cada disciplina e lá encontram materiais e decoração específica para aquela matéria. "Descobrimos que as aulas duplas de uma mesma matéria rendem muito mais do que uma hora-aula apenas. Mas o aproveitamento depende, também, do planejamento do professor", diz. 

Considerada exemplo de administração, a Escola Estadual Presidente Costa e Silva ganhou o primeiro lugar do Prêmio Gestão Escolar 2011. Além de um intercâmbio da diretora para os Estados Unidos, a escola recebeu R$ 30 mil para investir na unidade. Durante a viagem, Adriana percebeu que as escolas norte-americanas usam cada vez mais a tecnologia em favor de sua comunicação interna. Com base nisso, ela voltou com a ideia de colocar na Costa e Silva uma televisão no pátio para mostrar os trabalhos dos alunos. Com o dinheiro, a equipe gestora vai implantar câmeras de segurança ao redor da escola e adquirir mais projetores e bebedouros para as salas de aula, devido ao forte calor em Gurupi.
http://revistaescolapublica.uol.com.br/textos/26/tradicao-inovadora-257974-1.asp

Declaração para um novo ano

20 para 21  Certamente tivemos que fazer muitas mudanças naquilo que planejamos em 2019. Iniciamos 2020 e uma pandemia nos assolou, fazendo-...