quinta-feira, 3 de julho de 2014

PNE sairá do papel com fiscalização e atitude da sociedade

Apenas uma sociedade atuante e vigilante vai garantir que o Plano Nacional de Educação (PNE) seja efetivado. A opinião é de especialistas da área do ensino entrevistados pelo NET Educação. A presidenta Dilma Rousseff sancionou o plano, nesta quarta-feira (25/06), sem nenhum veto, segundo informações da assessoria de imprensa da Presidência da República. Após três anos e meio de tramitação no Congresso Nacional, o PNE foi aprovado no início do mês pelos deputados.
Com as diretrizes nacionais validadas, o próximo passo é a formulação ou revisão dos planos municipais e estaduais de educação. Segundo o PNE, o prazo é de um ano para a conclusão dos planejamentos regionais. Hoje, apenas 38 dos estados e 66% dos municípios têm planos. “Esse passo é imprescindível para a realização das metas previstas no PNE, uma vez que as redes estaduais e municipais são responsáveis pelo atendimento na educação básica. Serão as políticas públicas locais que concretizarão muitas das estratégias”, avalia a superintendente do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), Anna Helena Altenfelder.
Em paralelo, a sociedade deverá acompanhar e cobrar os avanços, de acordo com o coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara. “Os atores sociais precisam se apropriar do PNE. Não é algo que vai acontecer porque foi formulado, mas sim por existir esforço em cima de cada uma das metas. Há necessidade de colocar o plano no centro da roda e deixar claro para os governantes que deve ser uma prioridade.”
Anna Helena acredita que será mais fácil mensurar o novo plano em relação ao último instituído para o decênio 2001-2010, já que são 20 metas em oposição às 295 do plano anterior: “há melhor compreensão de onde se quer chegar. Essa composição favorece o controle social”, afirma. “Mas o princípio é o de união de esforços, de articulação das forças sociais comprometidas com a educação pública brasileira”, diz. O documento traça as diretrizes para o ensino no país em todos os níveis educacionais, que deverão ser cumpridos nos próximos 10 anos.
Mecanismos de controle
Está previsto no PNE a obrigatoriedade da entrega de relatórios bienais, realizados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), sobre o andamento do PNE, “justamente para evitar que um gestor empurre ao outro sua responsabilidade e então garantir um resultado positivo com o plano”, acredita a presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), Cleuza Repulho.
Para ela, deverá haver “transparência no investimento, o que vai para cada ente e qual sua responsabilidade”. No caso dos municípios, uma das metas é alcançar 50% do atendimento em creches. “Quais recursos e por meio de qual mecanismo vai chegar o investimento nas pontas? Serão programas do governo federal? Serão repasses por meio do Fundeb [Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica]?”, questiona.
Cara ainda lembra que dentre as metas, estão previstos o envolvimento dos conselhos de educação, a atuação das controladorias dos estados e municípios, além da Controladoria Geral da União (CGU) – responsáveis pela fiscalização e possíveis denúncias de ilegalidade.
Outro instrumento será a formulação do Sistema Nacional de Educação, também previsto nas metas do PNE. A disputa do conteúdo do sistema refere-se ao equilíbrio federativo nos processos de tomada de decisão e no compartilhamento de responsabilidades em termos de políticas educacionais, de acordo com a Campanha Nacional.
“Essencial para que o plano seja implementado na prática é o regime de cooperação entre os entes federados, a partir do princípio de que o PNE é uma política de Estado e não de governos”, ressalta Anna Helena. “Para tanto, será necessário, além da definição de papéis, já prevista em lei, na Constituição federal e LDB, a instituição de instâncias permanentes de negociação, cooperação e pactuação, configurando esse sistema.”
Segundo Cleuza, o principal diferencial do novo plano que possibilitará sua viabilização foi deixar melhor firmado o compromisso com o financiamento. “Isso não aconteceu no outro plano. Sancionou, mas não indicou recursos e não saiu do papel já que todas as demandas estão associadas a investimentos”, finaliza.
Autor: NET Educação
http://undime.org.br/pne-saira-do-papel-com-fiscalizacao-e-atitude-da-sociedade/

Entrevista: "Alfabetização deveria concentrar os melhores professores", diz pesquisador

O pesquisador argentino Axel Rivas passou mais de dez anos visitando escolas e analisando sistemas educacionais em todo o mundo. Para ele, as desigualdades mais profundas são de aprendizado, e a alfabetização é o momento que deveria concentrar os melhores professores


Ricardo Braginski, de Buenos Aires


Dr. Axel Rivas
Atualmente é difícil encontrar na Argentina especialistas interessados em pesquisar o que acontece em sala de aula e o que se passa entre professores e alunos. Também são raros aqueles que têm uma perspectiva ampla e pluralista da educação e que defendam a redução das desigualdades sem enredar-se em discussões ideológicas. Axel Rivas, 39, uma das vozes jovens mais ouvidas nos dias de hoje no campo da educação, é um desses pesquisadores.
À frente da área de Educação do Centro de Implementação de Políticas Públicas para a Equidade e o Crescimento (CIPPEC), organização argentina dedicada à formulação de políticas públicas para reduzir as desigualdades sociais, Rivas passou mais de dez anos percorrendo escolas e ministérios educacionais de vários países e de todas as províncias argentinas.
Doutor em Ciências Sociais e professor universitário, Rivas recentemente escreveu Caminos para la educación, Viajes al futuro de la educación e Revivir las aulas, os três ainda sem tradução para o português. Em um típico café de Buenos Aires, Rivas recebeu a revista Educação para falar sobre os principais desafios da educação na América do Sul, como reduzir as desigualdades e o futuro da sala de aula.

Quais são as principais causas da desigualdade educacional? E quais as melhores políticas educacionais para superar esse problema?
A oferta continua desigual, favorecendo os que têm mais recursos. O que o Estado pode fazer é melhorar a infraestrutura, melhorar a proporção de alunos por professor e valorizar os professores com mais tempo de serviço. Mas as desigualdades mais profundas são de aprendizado e estão organizadas a partir da exclusão das classes mais baixas, especialmente no ensino médio. Aqui as transformações necessárias são mais complexas e envolveriam ações como a criação de um regime especial para as alunas grávidas, por exemplo. As desigualdades também têm uma relação muito estreita com o contexto familiar. A escola frequentemente envolve a realização de deveres e atividades em casa, mas o resultado disso varia muito de acordo com o nível sociocultural de cada aluno.

Pela sua experiência, quais são os aspectos fundamentais que devem ser enfatizados pelos sistemas educacionais da América Latina para oferecer uma educação de qualidade e, ao mesmo tempo, inclusiva?
Os três principais aspectos são a docência, os conteúdos temáticos que compõem o currículo e a dimensão institucional das escolas. A valorização da docência é um eixo que todos os países da região já reconhecem como uma prioridade. Sabe-se que qualquer proposta de reforma curricular que prescinda da participação dos professores não terá sucesso. Quanto aos conteúdos, sabe-se que eles requerem revisão contínua. Agora, na Argentina, contamos com uma ampla lista de conteúdos temáticos e metas de aprendizagem que correspondem a uma visão enciclopédica da aprendizagem – memorização e quantidade como elementos mais importantes que a reflexão. Estamos caminhando para uma situação em que teremos de ensinar menos e melhor. Deve haver conteúdos estruturantes fundamentais e eles devem ser claros para todas as escolas, além de constituírem o princípio organizador de um trabalho muito mais amplo, em torno do qual se concentrarão diversos tipos de atividades. Finalmente, o terceiro eixo está ligado à necessidade de termos uma estrutura institucional diferente que possibilite a personalização do ensino. Hoje temos horários muito rígidos, muito estritos, que impedem, por exemplo, que uma aula de matemática de 40 minutos possa se desdobrar em desafio a ser trabalhado durante toda a semana. Tudo é muito fixo.

Por que você propõe a priorização da primeira série e como isso deve ser feito?
Há muitos estudos que mostram que a primeira série é a mais importante do primário e de toda a educação. É o momento de configuração da relação do aluno com a escola – uma ligação que irá durar por muitos anos – e também quando se dá o que alguns educadores chamam de a mais longa sequência da escolaridade, que é a alfabetização. A primeira série deveria concentrar os melhores professores e ter uma maior continuidade pedagógica. Mas isso exigiria que o professor trabalhasse com o mesmo grupo de estudantes por muitos dias seguidos, provavelmente por mais de um ano. Isso explica a tendência de unir o primeiro e o segundo ano. A ênfase nessa etapa pode se produzir com a ação dos diretores, que devem fazer da primeira série a mais desafiante para os professores. Os melhores devem estar ali. Também é possível exigir uma experiência mais consistente desses educadores. Além disso, a primeira série também deve ser uma prioridade para toda a escola, institucionalmente. Na Finlândia, as atenções são voltadas aos dois primeiros anos. Todos na escola estão comprometidos em prover às crianças o sentimento de que elas são bem-vindas e de que nada pode excluí-las. Essa concepção é totalmente contrária à ideia de que a repetência pode ser justificada. Independentemente de qualquer motivo pedagógico, a repetência nessa época pode gerar um dano à subjetividade do aluno muitas vezes irreversível. Muitas pesquisas mostram que aqueles que repetem não aprendem mais. Pelo contrário, eles tendem a repetir novamente e a abandonar a escola. Na Argentina, 10% das crianças repetem a primeira série. No Brasil, esse índice é de cerca de 20%. É um mecanismo que exclui em um momento que deveria ser de inclusão, de boas-vindas para os alunos.

Alguns países da região, como o Chile, estão criando rankings de escolas e divulgando seus resultados. Qual sua opinião sobre isso?
Os pesquisadores estão inclinados a dizer que a competição entre as escolas não gera melhores resultados, mas sim frustração, evasão, sentimento de desproteção, vantagens para as famílias de maior nível cultural, etc. Acredito que a educação não deve ser projetada com finalidades de competição. Pelo contrário, cada sistema tem de evoluir com seus próprios erros e acertos, deve trabalhar de forma colaborativa e tomar decisões com base em suas convicções e capacidades, e não por pressão externa. Os sistemas com melhores desempenhos não estimulam a competição entre as escolas. Nem na Coreia do Sul nem em Cingapura, onde as escolas trabalham de forma integrada. Boa parte do trabalho é feito em comunidade, o que é muito difícil de acontecer quando você está competindo o tempo todo pelos mesmos resultados e pelos mesmos alunos.

Você conheceu sistemas educacionais de várias partes do mundo. O que aprendeu com eles?
Mais do que peças isoladas de sistemas, há exemplos de boas práticas que podem ser seguidas. Vou citar dois países com sistemas antagônicos: a Finlândia e a Coreia do Sul. Ambos obtêm bons resultados e são líderes mundiais no Pisa, o que mostra a fragilidade de provas como essa. A Coreia do Sul tem índices elevadíssimos, mas lá os alunos estudam, em média, 12 horas por dia, sendo oito horas em sala de aula e mais quatro com professor particular. Eles dormem pouco, não têm infância, não se divertem e não têm tempo livre. Enfim, são jovens fadados ao estudo. A estrutura social e cultural deles está baseada nos resultados de um teste realizado ao final do ensino médio que, praticamente, define a vida da pessoa: o quanto ela vai ganhar, com o que vai trabalhar e com quem vai se relacionar. Queremos este modelo educacional? A minha resposta é não. Eu não quero viver em um país que tem a maior taxa de suicídio infantil. Felizmente temos o exemplo da Finlândia, que evidencia o poder que pode ter o ensino personalizado baseado na autonomia e na formação dos professores. Este modelo tem bons resultados e gera um desejo de aprender sem pressionar os alunos com provas. A situação é inversa: os alunos têm poucas horas de estudo na escola. Se eles tivessem maus resultados, alguém poderia dizer “prefiro um modelo assim apesar dos maus resultados”. Mas os resultados são bons, então dá para defender o modelo e seus resultados.

Atualmente, quais são as habilidades necessárias para exercer o papel de liderança na escola? Os diretores estão suficientemente preparados?
A formação dos gestores é algo que vem sendo muito debatido nos países da América Latina, como Equador, Brasil, Peru, Colômbia e Argentina. A formação dos gestores finalmente, embora tardiamente, teve sua importância reconhecida, pois até então ela nunca tinha sido incorporada como uma variável importante do sistema de ensino. Formar bons gestores e selecioná-los bem é um dos pressupostos mais importantes das reformas educacionais, pois aqueles bem preparados têm capacidade de gerar projetos, de motivar em contextos de crise, de inovar, de provocar engajamento. A figura do líder ganhou uma importância que não existia há 30 ou 40 anos, quando a escola era parte de um sistema que se autorregulava.

Quais são as mudanças concretas introduzidas pela internet e pela utilização de novas tecnologias em sala de aula? E que mudanças pedagógicas são necessárias para enfrentar essa transformação?
Fala-se em substituir a escola tradicional pela escola virtual. Acho que essa é uma ameaça real, diferente das surgidas em outras épocas. No entanto, isso não vai acontecer no curto prazo. A revolução digital, a possibilidade de acesso ao conhecimento por um baixo custo, pode ter muitas implicações. Nos próximos cinco ou dez anos, a mudança deveria ser o foco da discussão e não a possível melhora que ela trará para o sistema. Mas estamos lamentavelmente despreparados para essa reflexão. Mas por que isso? A resposta está no mercado: sistemas privados, educação virtual, livros digitais, tablets, sistemas virtuais de aprendizagem, para tudo isso você tem de pagar. As empresas se movem mais rápido e geram desigualdades. A questão é como o estado reconfigura seu sistema para não perder o caminho da distribuição da riqueza, que é uma de suas missões. A grande questão é se estamos à altura desse desafio, que é muito complexo e que está por vir.

Declaração para um novo ano

20 para 21  Certamente tivemos que fazer muitas mudanças naquilo que planejamos em 2019. Iniciamos 2020 e uma pandemia nos assolou, fazendo-...