quarta-feira, 11 de março de 2015

Até 2016, todas as redes devem elaborar seus planos de carreira docente






Estados e municípios precisam adequar seus planos às diretrizes nacionais e garantir o pagamento do piso nacional do magistério


Cristina Charão

Há poucas coisas no Brasil que podem ser classificadas como unanimidade. A necessidade de uma educação de qualidade para todos é uma delas. Outra é que alcançar essa meta nacional exige a valorização de uma figura-chave em todo processo de ensino-aprendizagem: o professor. Daí não ser difícil concluir que qualquer plano para democratizar e qualificar a educação deve, além de garantir as condições para que os docentes desenvolvam o seu trabalho no dia a dia, ofertar salários e uma perspectiva de carreira que atraia novos profissionais e valorize o conhecimento e a experiência de quem já está na rede.
Mas a tarefa de criar ou revisar os planos de carreira dos profissionais da educação também está na agenda do dia por questões legais. Embora seja uma exigência antiga, prevista no Artigo 206 da Constituição Federal e já delineada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) em 1996, o atual Plano Nacional de Educação (PNE) determina prazos para que estados e municípios implementem seus planos. Até 2016, todas as redes devem estabelecer carreiras adequadas às diretrizes nacionais, que garantam o valor do piso nacional do magistério como vencimento básico inicial da categoria e que, ao mesmo tempo, promovam a equiparação salarial desses profissionais ao dos demais trabalhadores de mesmo nível de formação.
"Discutir a implementação de planos de carreira em 2015 é quase uma discussão tardia", alerta Carlos Eduardo Sanches, ex-presidente da União Nacional de Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e ex-secretário de Castro (PR). Segundo ele, acaba-se "empurrando essa discussão" por ausência de capacidade técnica que equacione a realidade da gestão pública e as demandas dos profissionais, mas também porque efetivamente o que está no discurso muitas vezes não se torna medida concreta. "Discutir processo de valorização e, dentro do processo de valorização, o estabelecimento de carreiras atrativas, modernas, equilibradas não é discutir apenas uma pauta imposta pelo movimento sindical ou para atender às expectativas dos educadores. É muito mais que isso. Discutir valorização é atender a um dispositivo constitucional e investir na qualidade da educação", resume Sanches.
A prioridade da gestão de pessoal na educação é também uma questão de racionalidade, como chama a atenção Rubens Barbosa de Camargo, professor na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP). "Em qualquer lugar do mundo, qualidade da educação está relacionada a quanto se gasta com educação e o principal gasto com educação é o valor que se paga para o professor", lembra. Ou seja: um bom plano de carreira é, antes de tudo, um planejamento desse investimento fundamental e, portanto, uma exigência a ser feita para qualquer gestor que esteja comprometido com a qualificação da educação pública.
Heleno Araújo, secretário de Assuntos Educacionais da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) e diretor do Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Pernambuco (Sintepe), ressalta que a profissão docente é totalmente regulamentada, conta hoje com um piso nacional e tem mecanismos claros de entrada na carreira - os concursos públicos. "O que a profissão precisa é de organização e é essa a função dos planos", afirma. A razão para isso é simples: "uma profissão e uma carreira organizada resultam em profissionais mais motivados, mais alegres, mas dispostos dentro da escola".

Diversidade de planos
Essa organização se dá, hoje, de forma muito dispersa e variada. A Diretoria de Valorização dos Profissionais da Educação da Secretaria de Articulação com os Sistemas de Ensino do MEC (Divap/Sase) analisou os planos de carreira dos 26 estados, do Distrito Federal e das 26 capitais brasileiras. O estudo mostrou uma grande diversidade de critérios e formatos de planos. "Há planos mais ajustados à realidade pós-LDB. Por exemplo, na nomenclatura dos cargos: um de professor, no máximo dois - professor e pedagogo -, sendo que os professores podem desempenhar as mais diversas funções de suporte pedagógico na escola", relata Antonio Roberto Lambertucci, diretor da Divap. "E há planos que têm mais de 20 cargos, incluindo dentista, psicólogo, fisioterapeuta, entre outros que não são vinculados à educação, muito menos ao magistério."
Estas disparidades, afirma Lambertucci, são resultado do encontro da enorme diversidade de características das redes estaduais e municipais com a ausência de diretrizes específicas para a construção dos planos. Hoje, além das exigências legais presentes na LDB, na Lei do Piso e no novo PNE, há uma resolução do Conselho Nacional de Educação com diretrizes genéricas para a criação e adaptação dos planos.
Se por um lado é necessário que os planos de carreira sejam adequados às realidades locais, por outro um delineamento mínimo pode ser um importante indutor para a construção de planos mais modernos e adequados. "A Sase tem trabalhado com a Undime, o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) e a CNTE para que cheguemos a um pacto nacional das diretrizes e também parâmetros um pouco mais objetivos para orientar estados e municípios a realizarem seus planos", diz o diretor.

Atração e retenção
Um dos resultados esperados a partir da organização da carreira do magistério em nível nacional é aumentar a atratividade da profissão como um todo, isto é, fazer com que novos profissionais busquem a atividade docente. O desinteresse dos jovens pelo magistério fica evidente já nos vestibulares. De acordo com a Sinopse da Educação Superior do Ministério da Educação (MEC), em 2012, menos da metade das vagas oferecidas pelas instituições de ensino superior para os cursos de pedagogia e licenciaturas em diversas áreas foram ocupadas. No mesmo ano, para cada vaga aberta para os cursos da área da educação, havia dois candidatos. Nos cursos de medicina, a relação candidato-vaga é mais de vinte vezes superior.
Outro resultado mais objetivo é renovar os quadros das redes de ensino. Hoje, a média de idade dos trabalhadores da educação é de 41 anos. Ou seja: muitos já estão próximos da aposentadoria. "No cenário educacional brasileiro, a situação é complicada. Nós temos baixos salários quando comparados a profissionais com a mesma escolarização", diz Araújo. "No Brasil, os professores ganham entre 50% e 60% da média dos demais trabalhadores. Enquanto, em outros países, em geral, os professores ganham entre 90%, 85% do que ganham os demais trabalhadores", afirma Rubens Barbosa de Camargo.
Considerando que ainda há um número razoável de profissionais, especialmente no segmento da educação infantil, com formação em nível médio ou pós-médio, a CNTE defende o estabelecimento de um piso para essa parcela da categoria e um acréscimo de 50% para quem tem formação superior. A partir daí, outras porcentagens seriam definidas para aumentar o vencimento básico daqueles que forem avançando em seu nível de escolarização com especializações lato e stricto sensu.
Embora a formação seja um critério para progressão na carreira defendido por unanimidade, ele não deve ser o único. Isso porque a dedicação às pós-graduações exige um tempo longo, o que pode desestimular o professor a buscar este aperfeiçoamento ou mesmo desistir da carreira. "Já vi planos em que para chegar ao topo da carreira se exigia pós-doutorado! É uma posição quase inalcançável para todo mundo", comenta Camargo. "No caso da educação, a gente precisa pensar em valorização da formação, títulos, cursos."
Se participar dessas atividades é uma exigência feita aos profissionais, torna-se também uma obrigação dos gestores oferecer essas oportunidades. Não apenas pensando na satisfação dos professores, coordenadores e orientadores com o título e o aumento recebidos, mas também porque essa formação tem de estar conectada a um planejamento mais amplo de qualificação da rede como um todo. "É preciso criar uma agenda de formação, adequada à realidade da rede, mas que também atenda às necessidades de desenvolvimento de cada profissional - ou as pessoas vão fazer cursos só para cumprir tabela", diz Sanches.
Em Rio Branco (AC), o planejamento das atividades de formação é feito em parceria entre o estado e o município. "Começamos em 2006, com o primeiro objetivo de melhorar a escolarização dos professores. Hoje, muito poucos professores não têm o ensino superior", relata Márcio Batista, secretário municipal de Educação da capital acriana. "A segunda etapa foi fazer uma avaliação do que sabiam os professores e do que sabiam os alunos para traçar um perfil da qualidade, da capacidade de intervenção do nosso professor em sala de aula. Com base nessa avaliação é que estabelecemos, junto com o estado, uma estratégia de formação conti­nuada." As universidades locais também participam das ações.

Promoção da qualidade
Como se vê, a formação continuada é um dos elementos centrais para estabelecer as regras para a progressão dentro da carreira através da chamada promoção por merecimento. O que, alertam os especialistas, não pode ser confundido com uma simples análise de desempenho. "Prova para o professor, desempenho dos alunos em testes, isso é um caminho muito ruim, que nunca avalia a educação como um processo coletivo", analisa Camargo. "O que tem de haver é primar, o tempo todo, pela construção de um bom projeto nas escolas."
"Esse mecanismo não pode computar apenas algumas questões relacionadas ao desempenho: temos de trazer questões inerentes a frequência, assiduidade, compromisso, comprometimento dele, participação no projeto da escola e também toda essa discussão sobre a formação continuada", afirma Sanches. Dessa forma, reconhecendo boas condutas individuais e incentivando os momentos de formação e criação coletiva, o plano de carreira pode se tornar um vetor do processo de qualificação da rede, trazendo impacto direto nos processos de ensino-aprendizagem.
O plano de carreira do município de Canoas (RS), criado em 2011 e revisado no ano passado, é um exemplo de como tentar equilibrar tantos elementos de avaliação. Foi criado um sistema de pontuação para a progressão de classe. Para que o profissional ascenda dentro da carreira, elevando o seu salário-base, ele precisa acumular mil pontos a cada intervalo de três anos.
São considerados três critérios: regência, qualidade e conhecimento. Neste último, há uma pontuação específica para atividades como participação em seminários, publicação de artigos, engajamento em projetos de pesquisa ou ações especiais da secretaria. "Outra questão é a valorização da formação do professor. A prefeitura financia dezenas de bolsas de especialização, dez bolsas anuais de mestrado e teremos cinco de doutorado este ano", diz Eliezer Pacheco, secretário municipal de Educação.
No critério qualidade, boa parte da pontuação está atrelada ao desenvolvimento dos planos institucionais de cada escola, além da progressão da escola nas avaliações locais, estaduais e nacionais. E no critério regência, aplicado essencialmente aos profissionais em sala de aula, a pontuação funciona em sentido reverso: no lugar de somar pontos, o professor tem a sua pontuação descontada se, por exemplo, tem algum registro negativo relacionado à cortesia no trato com alunos ou pais ou se falta ou chega atrasado às atividades.


 Material de apoio
A Secretaria de Articulação com os Sistemas de Ensino (Sase) está finalizando a construção de um sistema informatizado para o desenvolvimento dos planos de carreira. O software será oferecido de maneira gratuita, na web, de modo que cada gestor possa desenvolver o plano de carreira em diálogo com a categoria e simular o impacto financeiro nas contas do estado ou da prefeitura.
Outra ferramenta que estará em breve à disposição dos gestores é um livro, também em fase final de elaboração, que reúne os principais pontos sobre os quais o gestor deve refletir para fazer um plano que equilibre a valorização do professor e a disponibilidade orçamentária. Por fim, a Sase também tem planos de criar uma rede de técnicos capacitados para atuar no Brasil inteiro ainda este ano.


http://revistaescolapublica.uol.com.br/textos/43/uma-carreira-para-a-educacao-338984-1.asp

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