sexta-feira, 27 de setembro de 2019

Primeiro aluno surdo de medicina sonha proporcionar atendimento mais autônomo aos deficientes

Setembro Azul celebra o mês dos surdos, que buscam uma sociedade mais inclusiva e preparada na Língua Brasileira de Sinais
Luciano Marques, do Portal MEC
Uma pessoa surda só consegue ir ao médico com um acompanhante ouvinte. Isso quer dizer que uma mãe sem audição precisa do filho ou do marido, por exemplo, para ir ao ginecologista. Diminuir essa barreira e realizar um atendimento mais inclusivo é o sonho de Gilson Batista Sousa Júnior, 22 anos, o primeiro surdo a cursar medicina na Universidade Federal de Goiás (UFG).
Gilson, que ficou surdo aos dois anos após uma meningite, é o tipo de pessoa que sonha e não aponta dificuldades. “Durante toda minha vida eu fiz consulta médica junto a minha mãe, pois eu precisava de alguém para resumir o que o médico falava”, conta o estudante.
O jovem relata que quase todos os surdos vão ao médico acompanhado de pais, responsáveis, parentes ou intérpretes de Língua Brasileira de Sinais (Libras). “Meu sonho é mudar isso. Quero ser um médico surdo para que pacientes com deficiência auditiva possam ser atendidos com maior autonomia”, espera o futuro profissional.
Mas não é só para atender surdos que Gilson se dedica à medicina. “É claro que também vou atender ouvintes. Mais do que isso: torço para que um dia tenhamos médicos fluentes em língua de sinais. Esses profissionais poderiam atender cerca de dez milhões de pessoas em todo o país”, acredita.
Gilson é apenas um dos cerca de 9,8 milhões brasileiros surdos que celebram o Setembro Azul, segundo o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O mês dos surdos, como é conhecido o movimento, tem o objetivo de buscar uma sociedade com menos preconceito e mais inclusão. O Dia Nacional do Surdo é comemorado dia 26 de setembro para lembrar que mais de 5% da população brasileira possui deficiência auditiva. A data foi escolhida em razão da inauguração, em 1857, da primeira escola para surdos do país, o Instituto Nacional de Educação de Surdo (Ines).
O ensino bilíngue é considerado um recurso importante para que a criança surda avance na aprendizagem e na socialização. De acordo com a diretora de Políticas de Educação Bilíngue de Surdos do Ministério da Educação, Karin Strobel, antes das escolas bilíngues os surdos não eram educados. “Por isso, a criação do Ines é uma data tão significativa. De lá para cá, a educação dos surdos foi repensada”, ressalta.
A diretora tem mais de trinta anos de experiência como professora de surdos e é doutora na área de educação pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Ela pertence à Secretaria de Modalidades Especializadas de Educação (Semesp) do Ministério da Educação (MEC).
A docente alerta que a única diferença entre um surdo e um ouvinte é a barreira linguística. “Uma pessoa com deficiência que convive em meios onde a maioria das pessoas não sabe a língua de sinais tem muita dificuldade. A primeira língua dele deve ser Libras e a segunda seria a Língua Portuguesa”, diz.
Enem acessível – Medicina não é a primeira experiência de Gilson no ensino superior. Ele já é graduado em Ciência da Computação, que cursou em uma universidade particular. Para ingressar na Federal de Goiás, este ano, o futuro médico fez o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) com o auxílio de um intérprete.
O Enem tem hoje 15 recursos diferentes de acessibilidade para que as pessoas com deficiência realizem as provas com comodidade. Os surdos que têm a linguagem de Libras como primeira língua podem, desde 2017, realizar a vídeoprova traduzida na linguagem brasileira de sinais.
Para a edição deste ano do Enem, 1.991 candidatos solicitaram atendimento especializado para surdos. Outros 1.211 pediram o auxílio de um tradutor-intérprete de Libras.
A vice-diretora da faculdade de letras da UFG, Claudinei Oliveira, destaca o grande número de surdos em turmas de Letras/Libras na universidade. “São quatro turmas de Letras/Libras Licenciatura, com um total de 42 alunos. Nos outros cursos, além do Gilson em Medicina, temos um aluno na Matemática e o outro cursando Sistema de Informação”, destaca.
“Hoje, a UFG tem 15 intérpretes com três tipos de contratação. Estamos elaborando a criação de uma central, uma coordenação de intérpretes. A acessibilidade do Enem vai gerar uma maior demanda. Todas as universidades, na verdade, devem se preparar para isso”, afirma a vice-diretora.
Mais escolas – Até os cinco anos de idade, o hoje estudante de medicina teve a comunicação dentro de casa realizada apenas por sinais simples e leitura labial. Foi aos cinco anos, quando estudou em uma escola bilíngue em Taguatinga, região administrativa do Distrito Federal, que ele conheceu a linguagem de Libras.
A batalha para estudar deu um passo atrás anos depois quando se mudou para Goiânia. “Foi um momento muito difícil. Fui matriculado em uma escola regular e como eu era o único aluno surdo, tinha de contar com intérprete. Isso só foi possível porque minha família lutou pelo meu direito ao intérprete, junto ao Ministério Público”, conta o jovem.
Segundo a diretora do MEC, Karin Strobel, para que a educação de surdos não seja tardia, o MEC trabalha por mais escolas bilíngues e de qualidade. “Nos últimos anos, muitas escolas receberam surdos sem estarem preparadas para recebê-los. E como não havia profissionais preparados, a inclusão acabou se tornando uma exclusão para a comunidade surda. A preocupação agora é com a formatação dessas escolas, como o tipo de sala, material didático e formação de profissionais”, explica.
Ainda de acordo com a diretora, a comunidade ouvinte é essencial para a educação dos surdos. “O surdo não deve ser olhado como um coitado, um deficiente. Ele deve ser tratado como uma pessoa que tem uma diferença linguística. Se estamos falando de bilinguismo, estamos tratando de Libras, a primeira língua, e de Língua Portuguesa, uma segunda língua”, afirma.
http://portal.mec.gov.br/

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