domingo, 28 de fevereiro de 2016

Problemas na alfabetização podem diminuir produtividade no trabalho, diz estudo


Mariana Tokarnia - Repórter da Agência Brasil 
Resultado de imagem para analfabetismo

Estudo Alfabetismo no Mundo do Trabalho revela que 27% dos brasileiros entre 15 e 64 anos são analfabetos funcionais e 4% são analfabetos. Na outra ponta, apenas 8% atingem o nível mais alto de proficiência. As habilidades limitadas de leitura, escrita e matemática, em muitos setores da economia brasileira, podem restringir a produtividade e capacidade de inovação.

O estudo é do Instituto Paulo Montenegro e da ONG Ação Educativa, em parceria com o Ibope Inteligência. Desde 2001, as entidades são responsáveis pela divulgação do Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf). Este é o primeiro ano de foco especial no trabalho.

“Quando se tem 23% em nível rudimentar, que não percebe sutilezas maiores em um texto, que não distingue uma ironia, não separa fato de opinião, que lê mecanicamente, mas tem dificuldade para ler além do que está no texto, isso pode implicar importantes reflexões de compreensão do trabalho, de novas tecnologias, de decisões de liderança. Isso porque falta a essas pessoas a possibilidade de informar e expressar as ideias pela escrita”, afirmou a diretora executiva do Instituto Paulo Montenegro, Ana Lúcia Lima.

O levantamento foi feito no ano passado e divulgado esta semana. Foram entrevistadas 2002 pessoas entre 15 e 64 anos de idade, residentes em zonas urbanas e rurais de todas as regiões do país. Os entrevistados foram divididos em cinco grupos, de acordo com a habilidade de leitura, escrita e matemática: analfabeto (4%), rudimentar (23%), elementar (42%), intermediário (23%) e proficiente (8%).

No trabalho

Os dados mostram ainda que, entre os analfabetos, 47% estão trabalhando, contra 75% entre os proficientes. Atividades como agricultura, pecuária, produção florestal, pesca e aquicultura concentram concentram a maior parte de trabalhadores analfabetos, 21%. Outros 49% que exercem essas atividades têm nível rudimentar.

As atividades com maior percentual de proficientes são informação e comunicação, artes, cultura, esporte e recreação, atividades científicas e técnicas. Conforme o estudo, 26% desse segmento têm esse nível. Outros 21% têm nível intermediário e 49%, elementar. Na educação, o maior percentual (40%) é de nível intermediário e 16%, proficiente.

A pesquisa indica também o nível de acordo com o cargo exercido. Entre aqueles que ocupam cargo de direção ou gerência, 2% são analfabetos; 13% têm nível rudimentar; 30%, elementar; 33%, intermediário; e 22% proficiente. Segundo Ana Lúcia, os dados surpreenderam negativamente. “São pessoas que tomam decisões e afetam mais estruturalmente a economia.”

Formação

Conforme o levantamento, quanto maior o nível de letramento mais formação se recebe. Entre os analfabetos, 5% fez algum curso de formação, enquanto a porcentagem chega a 85% entre os proficientes. “A proporção de pessoas que aprimoram os conhecimentos a partir de cursos são as que estão no topo da escala. O mundo do trabalho oferece treinamento para quem está treinado e não para quem precisaria bastante”, acrescentou a diretora do instituto Paulo Montenegro.

Para Ana Lúcia, esses trabalhadores devem receber, tanto de empresas privadas quanto por meio de políticas públicas, cursos e incentivo ao letramento. “Essa população que está trabalhando dificilmente volta para a escola. Mas o mundo do trabalho pode contribuir nesse processo de alfabetização. As empresas ganham pela qualificação e o impacto é mais amplo. Essa pessoa é um pai de família que vai orientar o filho na escola, que vai melhorar as escolhas na hora de consumir. Beneficia todos os âmbitos da vida”, concluiu a diretora.

Edição: Armando Cardoso

Estados e municípios pedem clareza na definição da Base Nacional Curricular



Mariana Tokarnia - Repórter da Agência Brasil 


Para estados e municípios, a Base Nacional Comum Curricular – que vai fixar conteúdos mínimos obrigatórios em cada etapa da educação básica – precisa de maior clareza. Secretários estaduais e municipais de educação querem que a diretriz seja aprimorada antes de ser colocada em prática em todo o país. O assunto foi tema hoje (24) de audiência pública na Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado Federal.

A definição da Base Nacional Comum Curricular está prevista em lei, no Plano Nacional de Educação (PNE). A intenção é que os conteúdos definidos na base ocupem 60% da carga horária dos estudantes da educação básica, que vai da educação infantil ao ensino médio. No restante do tempo, as redes de ensino poderão definir o que ofertar – desde conteúdos regionais e atividades extras à formação técnica, por exemplo.

Críticas

De acordo com o secretário de educação do estado do Rio de Janeiro, Antônio Neto, a base deve estabelecer competências claras para a formação dos jovens. No entanto, os objetivos de aprendizagem no documento preliminar divulgado no ano passado, “não estão coerentes nem coesos”, segundo ele.

“Não estão fornecendo uma progressão da formação. Se sabemos o que queremos, as competências, se queremos domínio da língua, raciocínio lógico, temos que organizar as áreas do conhecimento para que se voltem para isso”, avaliou Neto, que representou o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) na audiência.

Neto defende que a base seja mais enxuta. “Hoje, o Brasil tem redes estaduais que trabalham com pouquíssimo tempo de permanência do aluno na escola, para ensinar 12 ou 13 disciplinas. Precisamos estabelecer o que a juventude precisa alcançar”, disse. “Temos que ter perspectiva de viabilizar a formação integral desse jovem. Não apenas competências cognitivas, mas que ele possa se situar no século 21 e ter sucesso na vida”, acrescentou.

As críticas à primeira versão da Base Comum Curricular também são recorrentes entre os secretários municipais. Segundo o presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), Alessio Costa Lima, uma definição clara da base ajudará também na formação de professores. “Temos 5.570 municípios, que enfrentam as mais diversas dificuldades pela não existência de uma Base Nacional. Problemas de definição de programas de formação inicial de professores, para quem, como e porque estão sendo formados, isso nem sempre vem de encontro ao que a escola precisa”, destacou.

Responsável por coordenar o processo de elaboração da Base Nacional Comum Curricular, o Ministério da Educação (MEC) divulgou na semana passada um resumo das mudanças sugeridas ao documento inicial até o dia 15 de dezembro. A consulta pública está aberta até 15 de março. Após esse prazo, um novo documento será consolidado e debatido em seminários nos 26 estados e no Distrito Federal. A partir das novas contribuições, uma terceira versão será consolidada e enviada para análise do Conselho Nacional de Educação (CNE). A expectativa é que isso seja feito até o dia 24 de junho.

Debate

Na audiência, o senador Cristovam Buarque (PPS-DF) disse que o MEC está perdendo tempo ao ampliar tanto o debate sobre a base, já que a proposta tem mais aspectos técnicos do que políticos. “Estamos perdendo tempo questionando milhões de pessoas”, disse.

Para Cristovam, que já foi ministro da Educação, não adianta implantar uma Base Nacional Comum Curricular se o Brasil possui um sistema educacional desigual. Para o senador, a base “é uma farsa para não fazermos o dever de casa”. Segundo ele, as escolas têm que ser melhoradas, assim como as condições de trabalho dos professores. “Não tem currículo bonito e escola feia.”

Já a senadora Fátima Bezerra (PT-RN) saiu em defesa do debate amplo sobre a base. “Um tema dessa envergadura tem que se pautado por amplo e intenso debate”, disse.

“Não dá para a gente fazer de conta que só quando tivermos horário integral, os melhores equipamentos, carreira nacional para os professores é que a educação vai ser garantida. A criança que está lá hoje não estará mais. O sonho tem que contemplar a criança que está lá hoje. Sonhar alto demais é a nova forma de exclusão. Temos milhões de estudantes que estão pedindo ações concretas", defendeu o presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), Francisco Soares.

De acordo com Soares, é preciso discutir como se aprende e como se ensina. “Se não houver recursos pedagógicos, vamos continuar sem o direito [à educação de qualidade] e é isso que a base está criando”, argumentou.


Edição: Luana Lourenço




sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Modelo inglês dá mais liberdade às escolas na formação do currículo

Instituições têm maior liderança e autonomia, mas também precisam assumir novas responsabilidades frente à rede de ensino


Christina Stephano de Queiroz

© Hufton+Crow/Corbis
Sala de aula da Oasis Academy Hadley, localizada em Enfield, na Grande Londres

Se há um movimento mundial para aumentar a autonomia das escolas públicas em relação aos governos locais, de modo a dar mais poder de decisão a quem atua no ''chão da escola'', o exemplo da Inglaterra pode iluminar esse caminho. Composto por 21 mil instituições e 7 milhões de alunos (cerca de 90% do total de estudantes no país), o sistema educacional público inglês passou por reformas estruturais desde meados dos anos 1980, trazendo mais liberdade e responsabilidade para diretores, docentes e alunos. Hoje, as instituições públicas possuem autonomia para nomear professores, gerenciar o orçamento, remunerar a equipe, administrar edifícios e terrenos, além de organizar a grade curricular e o sistema de provas. Em contrapartida, são avaliadas periodicamente com rigor, processo que pode resultar, inclusive, na demissão de funcionários.

Em termos de resultados pedagógicos, as escolas passaram a ser avaliadas com mais rigor, seguindo os parâmetros do Office for Standards in Education, o Ofsted, escritório que estabelece os padrões do que devem ser boas escolas no país. Também melhorou a questão da defasagem idade-série, crítica até meados da década de 1990, quando apenas 50% dos alunos cursavam a etapa adequada à sua idade nas disciplinas de língua inglesa e matemática. Hoje, são 80%.

Mas ainda há resistências. Educadores avaliam que as escolas com resultados abaixo da média nacional são tratadas com aspereza pelas respectivas comunidades. Estimula-se a concorrência e há demissões, nesses casos. Também há grande pressão sobre os professores, em função de a cultura dos testes padronizados reger os rumos da educação local, resultando em grande rotatividade de pessoal.


Longo trajeto

O sistema educacional público inglês foi criado em 1870, depois de outros da Europa, e balizado pelo ensino religioso. No século passado, com a chegada maciça de imigrantes durante o pós-guerra, nos anos 1960 e 1970, instituiu-se uma tradição de absorção de outras culturas na educação.

Andy Reid, do Ofsted: desde a década de 1990 as instituições decidem como e onde investir os recursos recebidos do governo
Já a trajetória para chegar à atual autonomia foi longa. Seu início remonta a meados dos anos 1980, quando o sistema educativo ainda era centralizado nas autoridades locais. Na época, as decisões importantes sobre a gestão das escolas eram tomadas por burocratas de carreira e os diretores tinham de pedir permissão para realizar pequenos ajustes ou mudar detalhes dos currículos.

Em 1988, com a Lei de Reforma do Ensino, criou-se um currículo nacional, substituindo o único currículo determinado pelo governo até então, o religioso. Em paralelo à reforma, as autoridades locais deixaram de funcionar como órgãos intermediários de repasse de verba e diretrizes da política nacional, fato decorrente de movimento que ganhou força a partir dos anos 1990. "Em muitas situações, essas autoridades demoravam a atender os pedidos das escolas, por causa de procedimentos burocráticos ou por determinarem outras prioridades", relembra Andy Reid, chefe de Inspeções Institucionais do Ofsted durante 16 anos. Com a mudança, as instituições passaram a receber os recursos direto do governo e a decidir como e onde investi-los. Assim, a gestão pedagógica e administrativa foi centralizada nas escolas, que se tornaram responsáveis por contratar funcionários e docentes, estabelecer salários, comprar materiais didáticos e melhorar instalações. Antes de delegar toda a responsabilidade financeira aos diretores, o governo testou o projeto em algumas unidades, expandindo-a depois à rede.


Autonomia com inspeção

Elemento central na dinâmica da educação pública do país, o sistema de inspeção nacional foi criado no século 19. Até a década de 1990, as inspeções aconteciam a cada cinco anos ou mais, frequência que mudou com a criação do Ofsted, em 1992. Nesse novo modelo, o governo passou a valer-se tanto de inspetores nomeados (em geral, profissionais experientes da rede pública) como de empresas prestadoras de serviços, para os procedimentos de avaliação institucional que envolvem todos os âmbitos do trabalho escolar, como o ensino, a aprendizagem, a liderança, as finanças, instalações e a documentação de políticas. Outra característica que remonta aos anos 1990 é a inclusão da educação na agenda política de todos os partidos, permitindo que os investimentos na área se perpetuassem, independentemente de mudanças eleitorais.

Como contrapartida à autonomia delegada às escolas, o governo exigiu, a partir de 1992, a publicação dos resultados das avaliações feitas pelo Ofsted na internet. Assim, as famílias - que podem matricular seus filhos em instituições independentemente do seu local de residência - passaram a se valer desses relatórios para escolher a escola dos filhos. A lógica é que as escolas concorram entre si e que esse processo gere melhorias, em função de as mais procuradas estabelecerem padrões de qualidade logo buscados pelas outras. As análises do Ofsted também consideram a autoavaliação feita pela equipe escolar. "Nos anos 1990, as escolas se avaliavam de forma autodefensiva e davam desculpas para tudo o que dava errado. Agora, enfrentam seus problemas de frente", opina Andy Reid.

As instituições passaram a ser responsabilizadas por desempenhos negativos nas avaliações do Ofsted, de modo que docentes e líderes incapazes de reverter quadros negativos são demitidos. A contratação de funcionários e professores para a rede pública inglesa ocorre como no setor privado, por meio de chamadas e processos seletivos. Além disso, as instituições mal avaliadas são monitoradas e apoiadas pelo Ofsted durante meses, sendo que sua autonomia para tomar decisões é reduzida. Apesar disso, seguem recebendo a mesma quantidade de investimentos por parte do governo. Algumas delas - que comprovam situação de extrema vulnerabilidade dos alunos - podem, inclusive, ver seu orçamento subir até 20%. Já as escolas com boa performance nas avaliações do órgão são estimuladas a compartilhar práticas pedagógicas e administrativas, re­cebendo recursos extras do governo.

Antes restrito ao âmbito universitário, o treinamento dos professores também passou a ser ofertado por algumas instituições de alto nível - as chamadas teaching schools - que funcionam no modelo dos ''''''''hospitais-escola'''''''' existentes no país. "As escolas são vistas, agora, como o melhor lugar para aprender o ofício de ensinar", diz Andy Reid.


Escola para formar líderes

A capacitação de líderes na educação ganhou impulso vital com a criação, em 2000, da Escola Nacional de Liderança Escolar. Responsável por formar grupos de diretores para atuar como consultores e oferecer apoio a instituições com baixo desempenho nas avaliações, a escola era passagem obrigatória a esses profissionais, até 2012. Hoje opcional, a formação dura de 6 a 18 meses e requer que o diretor conheça a experiência de uma escola diferente da sua, durante cerca de 9 dias; realize módulos de estudo básico e passe por uma avaliação final. As aulas oferecem conteúdo sobre questões administrativas e aspectos pedagógicos e também se centram em estratégias práticas da gestão e liderança escolares.

Apesar de a passagem na Escola de Liderança não ser mais obrigatória, sua experiência se multiplicou por meio de diferentes iniciativas, cuja finalidade é permitir que as escolas bem avaliadas estabeleçam relacionamento permanente com aquelas que apresentam dificuldades.

Um desses desdobramentos foi a estruturação do grupo Líderes Nacionais de Educação, que atualmente reúne cerca de mil profissionais com cargos de liderança, responsáveis por atender 20 mil escolas públicas, por meio do fornecimento de consultoria sobre melhores práticas pedagógicas e administrativas. Além disso, estabeleceu-se a Escola de Apoio Nacional, que dá suporte a instituições com problemas no processo de ensino-aprendizagem, auxiliando os docentes no planejamento e na condução das aulas,  identificação de estudantes com maiores dificuldades e ajuda na gestão financeira.

Em 2003, o governo também concebeu uma iniciativa para oferecer recursos adicionais a grupos de escolas urbanas com fraco desempenho nas avaliações. Esses grupos - que precisam ser compostos por 20 ou mais instituições - identificam seus alunos mais talentosos para que atuem como mentores de estudantes com dificuldades.

Por fim, outra estratégia para fortalecer as lideranças escolares são as federações, que envolvem instituições de uma região ou com determinadas características, com o propósito de disseminar boas práticas pedagógicas. Nas federações, os diretores de instituições mais bem avaliadas pelo Ofsted se deslocam até aquelas com fraco desempenho, passando a maior parte da sua jornada atendendo os profissionais dessa escola. Como parte de um plano de carreira que começa nos momentos iniciais do emprego como docente, esses diretores recebem um bônus quando se encarregam de auxiliar instituições que passam por dificuldades.

Andrew Ingham, ex-diretor de escolas públicas inglesas e coautor da pesquisa O sistema de formação de lideranças escolares na Inglaterra - Possíveis alternativas para o Brasil, destaca que nem todos os professores querem ou possuem perfil para se tornarem líderes, de modo que o conselho escolar deve identificar profissionais com esse potencial, desde cedo. "Não é possível determinar um perfil único de personalidade para esse papel, mas senso de compromisso, resiliência, paciência e determinação são comuns àqueles aptos", analisa.


Instituições com perfis variados

Em 2002, um grupo de instituições que não conseguia reverter o desempenho negativo nas avaliações passou a ser gerenciado diretamente pelo Departamento de Educação da Inglaterra. Assim, seu funcionamento deixou de ser mediado pelos governos locais, e a verba repassada passou a ser destinada diretamente a essas instituições. Chamadas de ''''''''academias'''''''', em 2010 havia 203 escolas com esse perfil, número que subiu para 4 mil, já que hoje qualquer escola pode atuar nessa modalidade. "Há escolas que preferem seguir conectadas à autoridade, como forma de serem amparadas em suas decisões", explica Andrew Ingham.

Dirigidas a grupos comunitários, há ainda as ''''''''free schools'''''''', criadas em 2010 como resposta do governo ao crescimento demográfico acelerado e à imigração. Elas são ainda mais autônomas que as academias e atendem a demandas de comunidades específicas, como a muçulmana.

Em resumo, os níveis de autonomia variam conforme o perfil das escolas, porém essa liberdade precisa estar embasada em bons resultados nas avaliações federais. "Um diretor, por exemplo, pode definir que estímulos musicais ajudam nas aulas de matemática e criar atividades curriculares com base nessa relação", detalha Maria Carolina Nogueira Dias, pesquisadora da Fundação Itaú Social e coautora da pesquisa O sistema de formação de lideranças escolares na Inglaterra - Possíveis alternativas para o Brasil. Entretanto, essas decisões precisam ser justificadas, de modo que, nas análises do Ofsted, os estudantes devem apresentar bons resultados. Do contrário, deve-se mudar de estratégia.

Por fim, um dos segmentos da população que tende a receber mais atenção do Departamento de Educação é o dos alunos ingleses de camadas sociais mais vulneráveis. O governo não tem conseguido reverter os indicadores negativos de aprendizagem dessa parte da população, pois se por um lado essas famílias são consideradas vulneráveis da mesma forma que os imigrantes, de outro sua postura diante da escola é diferente. Os imigrantes valorizam muito a escola do novo país, mas os locais se sentem menos motivados. Para responder à falta de interesse, há apostas nas escolas vocacionais, que oferecem educação básica aliada à formação profissional.

Pontos principais da reforma 
■ Em 1988, a Lei de Reforma do Ensino determinou a criação de um Currículo Nacional para substituir o ensino religioso;

■ As escolas ganharam autonomia em relação ao poder local para realizar a gestão pedagógica e administrativa;

■ Foi criado um sistema de inspeção que reconhece as instituições bem-sucedidas e apoia aquelas com desempenho negativo;

■ O governo estruturou um colégio nacional para formação de lideranças escolares;

■ Desenvolvimento de mecanismos para que o papel de liderança seja compartilhado entre os profissionais das escolas, incluindo professores, diretores e alunos;

■ O treinamento dos professores passou a ser feito também nas próprias escolas e não mais somente no âmbito universitário;

■ Estabeleceram-se redes de colaboração entre as escolas, de modo que aquelas com desempenhos elevados nas avaliações disseminam suas boas práticas a outras com dificuldades no processo de ensino-aprendizagem;

■ Definição de diferentes perfis e formas de funcionamento de escolas, com níveis variados de autonomia e responsabilidades frente à rede de ensino.


http://revistaeducacao.uol.com.br/textos/225/o-caminho-ingles-da-autonomia-367416-1.asp

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

Para psicólogo americano, qualidade da educação infantil depende da relação professor-aluno

Em entrevista exclusiva, Hirokazu Yoshikawa fala sobre realidade e tendências da etapa no mundo


Juliana Holanda

© Divulgação/Rodrigo Sodré
Hirokazu Yoshikawa: ênfase na qualidade do processo educacional
Nas últimas décadas, pesquisas nas áreas da economia e da neurociência ajudaram a fundamentar e ampliar a oferta de políticas públicas para a primeira infância em diversos países. Tornou-se comum afirmar que o investimento em educação infantil tem alta taxa de retorno social. A busca pela ampliação do acesso, entretanto, nem sempre foi acompanhada pela qualidade dos sistemas. A consequência é que estamos perdendo a chance de produzir os efeitos desejados.

As conclusões são do psicólogo Hirokazu Yoshikawa, que desde a década de 1990 conduz pesquisas sobre políticas públicas e programas para a primeira infância em países de baixa renda. Para Hiro, como é conhecido, chegou a hora de analisar como esses investimentos são realizados. “A pesquisa que deve guiar os próximos 15 anos é como apoiar os professores para realmente produzir a qualidade que todos gostaríamos de ver.” Para o pesquisador, o que mais importa para as crianças na educação infantil é a qualidade da interação e das atividades propostas pelos professores.

Hiro, que leciona globalização e educação na Universidade de Nova York, conduziu recentemente projetos em duas regiões do Chile e na cidade americana de Boston. Nesses locais e no estado americano de Oklahoma, tutores passaram a acompanhar os professores, que recebiam devolutivas sobre o seu trabalho. Os resultados, combinados com outras estratégias, foram positivos.

Na entrevista a seguir, concedida durante sua passagem por São Paulo para participar do V Simpósio Internacional de Desenvolvimento da Primeira Infância, Hiro fala sobre a importância de avaliar o processo educacional, e não apenas os insumos oferecidos nessa etapa de ensino.

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Quais são os efeitos da educação pré-escolar para o desenvolvimento infantil? 

Há centenas de estudos conduzidos nos últimos 60 anos que avaliam de forma rigorosa como a pré-escola afeta o crescimento e o desenvolvimento das crianças. Mostram que, no curto prazo, pode melhorar o aprendizado e o desenvolvimento social. No longo prazo, pode reduzir o crescimento da repetência no ensino médio, aumentar a renda e diminuir a criminalidade. Mas isso acontece quando a educação pré-escolar é de alta qualidade.

Como definir o que significa qualidade nessa etapa?
O conceito de qualidade tem algumas dimensões. As mais fáceis de regulamentar pelas políticas públicas são as relacionadas a padrões de saúde e segurança, tamanho das turmas e qualificação dos professores. Mas as dimensões que mais importam são a qualidade da interação na sala de aula, dos materiais, e o tempo dedicado a atividades que construam habilidades e desenvolvam áreas específicas. É um desafio muito maior. E apenas algumas pesquisas recentes apontam como melhorar essa forma de qualidade, a do processo educacional.

Podemos dizer que esse é o grande desafio no momento?
Diria que são dois: o acesso e a qualidade. Concordaria que num país como o Brasil, onde o acesso tem crescido nos últimos anos, a qualidade, provavelmente, é mais importante. As pesquisas que conheço do Brasil mostram que, assim como em muitos países, a escola pública pré-escolar tem qualidade relativamente baixa. Isso significa que não estamos tendo todos os benefícios que as pesquisas mostram. Para isso, precisamos focar a qualidade do processo educacional na sala de aula.

Os governos estão investindo recursos na educação pré-escolar sem alcançar os resultados desejados?
Na maioria dos países a quantidade de investimento no primeiro ano da educação pré-escolar é menor do que na educação primária. Muito porque os professores não têm o mesmo nível de qualificação. É um campo marginalizado, pouco profissionalizado. Nos países de baixa renda o investimento fica abaixo do desejado. Há muitos países em que os governos não estão investindo quase nada. Mas o Brasil entra no rol dos que investem bastante. Entre esses países, diria que sistemas de larga escala de educação pré-escolar estão alcançando os resultados que nós gostaríamos de ver.

Quais países têm alcançado práticas de alta qualidade?
Em todos os países há lugares em que uma educação pré-escolar de qualidade está sendo implementada. Isso é verdade no Brasil e em vários países da América Latina. Não tenho certeza de que um país inteiro tenha uma estrutura política que possa ser importada como modelo, em detrimento de suas preferências culturais. Temos de pensar em sistemas descentralizados, e que possam funcionar. Há abordagens para melhorar o processo da qualidade que incluem primeiro ter uma ligação entre um padrão nacional de qualidade e o currículo. Normalmente não há essa relação. Os padrões estão lá, e talvez apareçam na formação dos professores, mas, uma vez que o professor está na sala de aula, o que acontece é que ele escolhe o que fazer, sem uma sequência de atividades ao longo do ano pré-escolar. As pesquisas mostram que sequências de atividades que constroem as habilidades das crianças ao longo do tempo em áreas especificas, como linguagem, desenvolvimento socioemocional, ou ciência, ajudam o desenvolvimento infantil. Além disso, se um tutor vem e observa a sala de aula, o seu ensino, pode dar apoio e fazer comentários.

Este sistema de tutoria foi testado? Quais os principais resultados?
Testamos isso em pequena escala no Chile. Boston implementou em toda a cidade, e foram detectados efeitos muito amplos em linguagens, vocabulário, assim como em habilidades socio-emocionais e autorregulação. Em Bogotá, na Colômbia, foi testado na cidade toda, também com bons resultados. Mas esse tipo de apoio depende das habilidades do tutor.

Como é realizado esse trabalho de tutoria?
É um apoio em serviço, na sala de aula. Na maioria dos países, a supervisão e a inspeção olham apenas aspectos estruturais da qualidade, como saúde, segurança e materiais. Há algumas interações, mas não há formação para os supervisores entenderem o que são boas instruções, ou boas interações. Ou para promover esse tipo de comentário de apoio aos professores. Sabemos que os adultos aprendem ao serem observados e recebendo comentários. E muitos professores da pré-escola estão isolados em suas aulas de aula. É uma profissão solitária. O notável em nosso trabalho no Chile é que os professores se sentiram apoiados e emocionalmente conectados com o seu trabalho porque alguém os engaja em uma discussão sobre a sua prática. Reuniões entre grupos de professores também são importantes. Mas os tutores têm de ter experiência em ajudar adultos a aprender, e não apenas no aprendizado das crianças.

No Brasil, a brincadeira é norteadora das Diretrizes Curriculares para a Educação Infantil. É assim em outros países?
A brincadeira é o modo como as crianças aprendem na pré-escola. Mas às vezes as pessoas confundem essa ideia de brincadeira com uma completa falta de estrutura. Ao olhar para as práticas de alta qualidade baseadas em brincadeiras, como em Reggio Emilia, vemos abordagens sequenciadas muito sofisticadas. Os currículos mais efetivos conferem orientação sobre como os professores podem estruturar essas atividades e apoiar a brincadeira infantil, que pode assegurar o desenvolvimento das habilidades das crianças, que haja socialização, que possam gerar hipóteses. Mas isso requer, como qualquer outra abordagem pedagógica, apoio profissional.

A abordagem de Reggio Emilia é muito popular no Brasil. Também é referência em outros países?
Nos Estados Unidos, infelizmente, os professores da pré-escola têm baixo nível educacional e baixos salários. E o sistema de Reggio requer treinamento, qualificação e sofisticação. É popular em certas áreas do país, mas em outras, as pessoas sugerem que pode ser muito difícil prover esse modelo em um estado inteiro, ou numa grande cidade.

É possível promover uma educação pré-escolar de qualidade em larga escala?
Venho de um país que não foi capaz de fazer isso, mas Oklahoma, por exemplo, conseguiu, assim como a cidade de Boston. Em Oklahoma isso foi construído num período de dez anos. Boston foi capaz de fazer em um período bem menor, o que é bem impressionante. A cidade escolheu um currículo em particular e contratou tutores altamente habilitados. Em cerca de três anos produziu um sistema em que os níveis de qualidade passaram de bem baixos para bem altos.

É possível universalizar a educação pré-escolar com qualidade?
Uma das lições do “Education for All” 2000-2015 [metas globais da Unesco] foi a de que, mesmo em países de baixa renda, é possível alcançar altos índices de acesso. Mas o perigo é que essas crianças não estão se desenvolvendo porque não há um investimento simultâneo na qualidade. Minha esperança é a de que, com as Metas do Desenvolvimento Sustentável [da ONU], sobre qualidade no cuidado e educação da primeira infância, poderemos colocar ênfase nessa palavra, definir o que significa e desenvolver essas medidas. De forma que, quando um supervisor vá a um programa, ele não esteja checando apenas a segurança, ou a infraestrutura. Precisamos também começar a prestar atenção à qualidade da interação dos professores com as crianças na sala de aula.

No Brasil, o problema é mais crítico no atendimento às crianças dos 0 aos 3 anos. Esse é um problema global?
Sim, a etapa do 0 a 3 é outra agenda global, e deve envolver o apoio aos pais. Em muitos países isso depende de onde as crianças estão, porque em muitos países elas estão em centros de cuidado fora de casa, e essas questões de qualidade são muito mais desafiadoras. Nos Estados Unidos temos dois, ou três estudos, mostrando que o modelo de tutoria adotado nas creches também produz aumento na qualidade desses programas, assim como a baixa qualidade pode ter resultados negativos para as crianças. Como em qualquer outra profissão, os cuidadores merecem esse apoio. E a maioria das creches não pensa nesses trabalhadores como profissionais em que é preciso investir.

Seus estudos em Boston mostraram que a educação pré-escolar de qualidade pode beneficiar tanto crianças de baixa renda, quanto da classe média.
O sistema de Boston, como o de Oklahoma, é universal e gratuito. Nossa pesquisa mostrou que todos os grupos se beneficiaram, sendo que os grupos de mais baixa renda e de minoria racial se beneficiaram mais. Crianças de origem latina, imigrantes, se beneficiaram mais também. Um sistema universal de alta qualidade pode reduzir desigualdades. É um dado importante.

O senhor está liderando um projeto sobre o impacto da redução da pobreza para crianças nos 3 primeiros anos de vida. Já há algum resultado preliminar?
Sabemos que, no cérebro em desenvolvimento, o efeito do ambiente é um dos mais poderosos nos primeiros anos de vida. Mas não testamos se a redução da pobreza aumenta o desenvolvimento infantil e o aprendizado, ou a função cerebral até os 3 anos. É um projeto amplo, apenas começamos o projeto piloto, mas será importante para termos dados para as políticas públicas de proteção social para saber o quanto a redução da pobreza pode beneficiar as crianças nessa idade. Temos essas evidências em crianças mais velhas, mas faltam dados para o período do nascimento até os 3 anos. Esse projeto é excitante, em parte, por ser interdisciplinar: envolve psicólogos, economistas e analistas de políticas públicas. É um grande projeto e ainda estamos levantando fundos. Não sabemos ainda quando estará pronto.



http://revistaeducacao.uol.com.br/textos/224/o-que-vale-e-a-interacao-366327-1.asp

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

Finlândia inicia mais uma reforma em busca de melhorias

Marjo Kyllönen, secretária de Educação de Helsinque, detalha mudanças que trabalharão colaboração e habilidade social


Marina Kuzuyabu
 Divulgação

Marjo Kyllönen é uma entusiasta da transformação educacional. Com o pensamento lá na frente, imagina como será o mundo daqui a 50 anos e confronta a imagem com o perfil de pessoas que está sendo forjado nas escolas de hoje, um exercício que usa para defender a realização de mudanças profundas. Se não fosse por esse olhar, aliás, sua posição estaria muito confortável. Desde 2004, Marjo está à frente da secretaria de Educação da capital da Finlândia, país tido como modelo para muitos gestores educacionais. Seus estudantes têm desempenho acima da média mundial, sem que para isso seja necessário massacrá-los diariamente com horas e horas de estudo, como na Coreia do Sul e na China, outras estrelas do Programa Internacional de Avaliação de Alunos, o Pisa.

Entre todos os membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), formada majoritariamente por nações de elevado PIB per capita e alto Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), a Finlândia também é o país onde a lacuna de aprendizado entre os alunos de baixo rendimento e os de alto rendimento é a menor, o que comprova a eficácia das ações empreendidas a partir da década de 1960 para tornar o sistema educacional mais igualitário. Mas apesar desses fatos, Marjo e outras lideranças finlandesas não estão satisfeitas. Querem inovar e a razão disso é muito simples para a gestora: o mundo mudou e as crianças precisam adquirir competências diferentes daquelas trabalhadas por esse modelo de escola que vigora desde a era industrial.

Rumo a essa transformação necessária, o país está promovendo uma reforma curricular cujo aspecto que mais chama a atenção é a adoção de uma metodologia de ensino baseada na observação de fenômenos. A maioria das aulas será ministrada de forma interdisciplinar por vários professores, que passarão a trabalhar em equipe. Isso já está acontecendo em algumas escolas de Helsinque e será adotado nacionalmente, como detalha a gestora, que veio ao Brasil para participar do evento Transformar, promovido pela Fundação Lemann e os institutos Inspirare e Península.


O sistema educacional finlandês é considerado um dos mais bem-sucedidos do mundo. Por que reformulá-lo?
A escola tradicional foi criada para a era industrial, um tempo marcado pela produção em massa e pela estabilidade do mercado de trabalho. As pessoas se formavam e se aposentavam naquela profissão e até na mesma empresa em que começavam a vida profissional. A obediência, a adesão a regras, a capacidade de trabalhar individualmente - e não em colaboração com outras pessoas - eram competências muito valorizadas. Essa realidade foi ultrapassada e a escola precisa se adaptar ao contexto atual. Mais do que isso: precisa de visão de longo prazo. Uma criança matriculada no 1º ano do ensino fundamental hoje será um profissional ativo do mercado de trabalho em 2070! Vejo um gap entre a escola e a vida real. Não estamos preparando as crianças adequadamente para o que vem por aí e para o que já está acontecendo.

Quais são então as competências que precisam ser trabalhadas daqui para frente?
As primeiras são a colaboração e a habilidade social. Essas competências são importantes para preparar os jovens para trabalhar, resolver problemas e construir co­nhecimento em equipe. Essas habilidades também são úteis para formar pessoas que não busquem apenas benefícios próprios, mas que se preocupem com os outros, algo que considero essencial para o fortalecimento das sociedades. Outra habilidade é a do pensamento crítico. As crianças têm de aprender a interpretar informações, a fazer análises, a empregar conceitos adequadamente, enfim, a pensar de forma independente. A informação está disponível para quem quiser acessá-la hoje; não há sentido em memorizá-la. A criatividade é outro aspecto importante que precisa ser enfatizado em oposição à valorização do acerto. As crianças devem ser encorajadas a se arriscar, a tentar coisas diferentes, mesmo que nesse processo cometam mais erros.

De que maneira a reformulação curricular e a adoção da metodologia baseada na observação de fenômenos contribuirá com o desenvolvimento dessas competências?
As mudanças tornarão a aprendizagem significativa para os alunos, uma vez que não se baseará na exposição isolada de conteúdos de diferentes disciplinas. Os conteúdos serão ancorados na vida real, daí a ideia de trabalhar com a observação de fenômenos que possam ser explorados por professores de diferentes disciplinas. Estes passarão a trabalhar juntos, e não mais isoladamente. Os alunos terão uma participação mais ativa também, o que lhes dará condição de desenvolver as competências que mencionei anteriormente.

Como vocês estão preparando os professores para essas mudanças?
Essa é uma longa história. Em 2000, comecei a pesquisar o tema da liderança questionando de que tipo de líderes precisávamos em nossas escolas para promover a colaboração entre os professores, algo que estava em falta em nosso sistema educacional. Já na secretaria de Educação de Helsinque, concordamos que tínhamos de investir nesse campo. Em 2005, criamos um grupo de lideranças composto por diretores, vice-diretores e professores. Começamos pelos professores, que diziam que não precisavam desse tipo de treinamento, uma vez que não iriam gerenciar seus colegas. Percebemos então que precisaríamos mudar essa atitude, o que nos consumiu dois anos de trabalho. Em 2010, iniciamos outro programa, também de liderança, para discutir como poderíamos fortalecer a cultura de colaboração. Esse trabalho ajudou a formar um ''''estoque'''' de professores líderes com condições para atuar na linha de frente de situações como essa. Em vez de o governo dizer como as coisas agora devem ser conduzidas, são os professores que já estão trabalhando nesse modelo que estão fazendo isso. São eles que estão mostrando para os demais como empregar esse método interdisciplinar baseado na observação de fenômenos.

Quantas escolas já se adaptaram ao novo modelo?
É difícil dizer, pois, ao menos em Helsinque, a maioria das escolas já fez ao menos pequenos experimentos nesse terreno. Quando todos os professores tiverem essa experiência do ensino interdisciplinar, ninguém vai querer voltar para o modelo antigo. Todos verão o quanto a conexão com o mundo real pode ser motivadora para as crianças e eficaz para o aprendizado. É claro que algumas escolas serão mais rápidas na adoção do método, enquanto outras precisarão de mais tempo para fazê-lo. Para acelerar essa reforma, contaremos a partir de 2016 com a ação dos líderes distritais. Eles farão visitas regulares a cada uma das escolas do distrito a fim de orientar os diretores escolares, e não os inspecionar. Será uma ocasião para os diretores discutirem o que estão fazendo, expor suas dificuldades e dúvidas.

E quanto às instituições de ensino superior que formam professores? Elas também estão passando por um processo de mudança?
Sem dúvida. Nossas universidades entenderam que precisam mudar suas práticas se quiserem formar uma nova geração de professores. Elas também estão contribuindo com a realização de pesquisas sobre a sala de aula invertida, a aprendizagem baseada na observação de fenômenos, o ensino interdisciplinar. E, naturalmente, também estão realizando conferências e encontros sobre o tema da reforma educacional. As discussões estão ocorrendo em todas as universidades. É preciso ressaltar que muitos professores e pesquisadores já defendiam a necessidade de uma reforma, portanto, não estamos falando de algo que elas estão apenas encampando. A gênese da mudança também está na universidade.

Com um ensino majoritariamente interdisciplinar, os livros e os materiais didáticos tradicionais serão aposentados?
Sim. Isso é uma coisa que estamos discutindo há um longo tempo. Embora o livro seja fonte de informações, nossos professores de­vem ensinar de acordo com o currículo. Os objetivos e os conteúdos de aprendizagem vêm daí. Porém, se não dermos nenhuma ferramenta prática para os professores trabalharem, estaremos negligenciando-os. E isso não pode acontecer. Precisamos dessas ferramentas, de materiais prontos. Os materiais tradicionais estão sendo dispensados aos poucos, mas estamos trabalhando para ter orientações formalizadas, exemplos de boas práticas de ensino baseado em fenômenos. Também estamos produzindo vídeos. Os professores não serão abandonados.

Como funcionará a avaliação nas aulas ministradas com essa nova metodologia?
Continuamos atribuindo notas, pois isso está previsto em nossa legislação. Mas estamos preparando ferramentas práticas para orientar os professores a avaliar os alunos dentro dessa nova realidade. Teremos modelos para conduzir esse processo. Em Helsinque, um professor de escola primária relatou que alguns pais estão desconfiados. Alguns já perguntaram qual referência os professores estão usando para mensurar o estágio de desenvolvimento das crianças, uma vez que não há qualquer livro ou texto de base em uso. Quando os pais chegam com essas dúvidas, eles têm de mostrar que, no lugar das provas e das notas, há um portfólio no qual estão descritos os estágios do processo de aprendizagem e os feedbacks que estão sendo dados às crianças. Com isso, eles estão provando que não precisam de provas para dar feedback e identificar, para cada um dos alunos, quais aspectos precisam ser mais bem trabalhados. Afinal, qual é o objetivo de uma avaliação? Classificar as pessoas em ''''A'''', ''''B'''', ''''C''''? O que isso significa exatamente? Que indicativos essas marcações trazem sobre como evoluir no processo de aprendizagem? Atribuir notas não contribui com o desenvolvimento das crianças; são as orientações, os conselhos de um professor que fazem o aprendizado avançar.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

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O currículo escolar na Austrália

Desenvolvimento integral começa pelo currículo, diz especialista australiano


Em entrevista ao Porvir, gerente geral da agência responsável pelo currículo australiano analisa o texto preliminar da Base Nacional Comum brasileira

Resultado de imagem para base nacional comum curricularpor Tatiana Klix

Para garantir que o sistema educacional proporcione o desenvolvimento integral de estudantes brasileiros, considerando todas as suas dimensões – intelectual, emocional, cultural, física e social – é necessário que o currículo nacional preveja, de forma clara e objetiva, quais capacidades os alunos devem aprender. Essa é a opinião de Phil Lambert, gerente geral da Acara (Australian Curriculum Assessment and Reporting Authority) – entidade australiana responsável pelo desenvolvimento e implantação do currículo nacional daquele país.

Para Lambert, que teve um papel importante na construção do documento que prevê o que os estudantes australianos devem aprender e estuda outros currículos pelo mundo, o texto preliminar da Base Nacional Comum Curricular (BNC) brasileira, que está disponível para consulta pública na internet até o dia 15 de março, ainda não contempla integralmente essa visão. Em visita ao Brasil na semana passada para reuniões com especialistas e representantes instituições de educação ligados ao Movimento pela Base Nacional Comum, ele avaliou que falta coerência entre o texto introdutório da proposta curricular brasileira e os objetivos de aprendizagem constantes em cada área de conhecimento propostos pelo Ministério da Educação. Embora tenha encontrado no preâmbulo da BNC uma expectativa de aprendizagem contemporânea, que prevê formar jovens capazes, tanto intelectualmente como em termos de capacidades socioemocionais, comportamentos e atitudes, ele não enxergou mais adiante como essas capacidades que levam ao desenvolvimento integral vão se concretizar.

“Nos textos das áreas de conhecimento há muitos objetivos de aprendizagem que apenas levam os alunos a repetir e decorar conteúdos, em vez de fazê-los agir ativamente em relação aos conhecimentos para resolver problemas, desenvolver a criatividade e refletir”, afirmou.

Leia série de reportagens sobre o debate da Base Nacional Comum Curricular:
Sucesso da Base Curricular depende da formação dos professores
Base Nacional reacende debate de competências para o século 21
Para MEC, desenvolvimento integral entra só na introdução da Base Curricular
Discussão sobre Base Nacional Curricular deve focar no aluno
Diminui antagonismo entre preparar para o trabalho e para cidadania
Para alunos e professores, Base deve dialogar com realidade


A boa notícia é que, segundo a experiência de Lambert, a construção de um currículo pode ser realizada em várias etapas. Na Austrália, que tem um dos currículos mais preocupados com o desenvolvimento integral dos alunos no mundo, o trabalho começou em 2008 e ainda segue em implantação. “Vocês têm um primeiro rascunho. Tenho certeza de que terão um segundo, depois um terceiro… É natural que ocorra um aprimoramento em relação a essa primeira versão”, disse.

O Porvir conversou com Lambert sobre a leitura crítica que a Acara realizou do texto preliminar da Base, entregue ao MEC juntamente com outras avaliações feitas por especialistas nacionais e internacionais convidados pelo Movimento pela Base Nacional Comum. Leia os principais trechos da entrevista:

Porvir – O senhor teve a oportunidade de ler e analisar o texto preliminar da Base Nacional Comum Curricular, elaborado pelo Ministério da Educação. Gostaria de saber qual é a sua avaliação da proposta em debate.

Phil Lambert – É um primeiro rascunho e todos devem levar isso em consideração. As informações contidas na introdução são relevantes, no que diz respeito às expectativas de aprendizagem. Isto é, o texto mostra que espera-se formar jovens integralmente capazes, tanto intelectualmente como em termos de capacidades socioemocionais, comportamento e atitudes. É uma promessa que cria uma expectativa em relação ao que os objetivos de aprendizagem vão trazer. Até agora, eu só tive a chance de revisar os textos das áreas de português, matemática e ciências naturais, e sei que é apenas um rascunho, mas o que posso dizer é que não existe uma grande relação entre o que a introdução diz que vai entregar e o que realmente está lá. A conexão entre a visão dos objetivos gerais do documento e os objetivos de aprendizagem por área de conhecimento não está coerente e clara. Também identificamos alguns problemas de progressão, em como os alunos vão se desenvolver através dos anos a partir da proposta, principalmente no detalhamento das áreas de conhecimento. Além disso, falta objetividade no texto de introdução, que é bastante denso e poderia ser mais claro. Você pode dizer exatamente a mesma coisa, o que está prometido ali, mas ficou escondido em um texto rebuscado. Acredito que deva ser mais objetivo, para ser mais acessível a mais pessoas, incluindo professores. O outro ponto é que a exigência sobre os alunos poderia ser maior. Nos textos das áreas de conhecimento há muitos objetivos de aprendizagem que apenas levam os alunos a repetir e decorar conteúdos, em vez de fazê-los agir ativamente em relação aos conhecimentos para resolver problemas, desenvolver a criatividade e refletir.
 
No momento, o que é esperado dos estudantes é uma atitude passiva, mas se o objetivo é tornar o aluno ativo, ele deve ser muito mais desafiado, tanto intelectualmente como em termos de capacidades, ações e comportamentos

Porvir – O senhor avalia que é preciso reescrever todos os textos das áreas de conhecimento para que os objetivos de aprendizagem contemplem o desenvolvimento integral dos estudantes?

Lambert - Existem três ações possíveis para aprimorar o currículo que está sendo construído. A primeira é redigir a introdução de forma mais clara, para que fique especificado as capacidades que vocês (brasileiros) buscam desenvolver em suas crianças e jovens na escola. Depois, é preciso olhar para os objetivos de aprendizagem e entender como eles conseguirão desenvolver essas capacidades. Seus autores devem trabalhar a partir dessa visão, assim saberão os tipos de ações e estratégias que devem constar no documento, como inserir o desenvolvimento dessas capacidades de forma integrada às disciplinas. Como eu disse antes, no momento, o que é esperado dos estudantes é uma atitude passiva, mas se o objetivo é tornar o aluno ativo, ele deve ser muito mais desafiado, tanto intelectualmente como em termos de capacidades, ações e comportamentos.

Porvir – Baseado em sua experiência na formulação e implementação do currículo australiano e o que o vem estudando em outros currículos pelo mundo, o senhor acha que o Brasil precisa repensar as capacidades escolhidas para o texto introdutório da Base Nacional Comum Curricular?

Lambert – As capacidades que vocês escolheram são válidas e contemporâneas, similares com aquelas de currículos de outros países. Não há nada de errado no que identificaram como prioridade. Mas o que pode melhorar é como elas devem ser inseridas nos objetivos de aprendizagem das áreas de conhecimento.

Porvir – E como o ensino dessas capacidades pode ser implementado nas escolas?  
Lambert – O primeiro passo é realmente ter essas capacidades previstas no currículo, de modo que fique claro o que vocês querem que todas os jovens tenham acesso na escola, em todo o país. O currículo deve ter isso para que o aprendizado ocorra. A segunda etapa é garantir que os professores entendam plenamente os tipos de atividades e práticas que devem ocorrer nas salas de aula – para isso a formação de professores é importante. E por último, é necessário apoiar os professores oferendo recursos pedagógicos, dos mais variados, que os ajudem a colocar o currículo em prática.
O desenvolvimento integral é algo que pode ser alcançado, já foi realizado por outros países, existem técnicas sobre como isso pode ser feito, que podem ajudar o Brasil

Porvir – O sistema de educação brasileiro tem muitas falhas e muitos alunos aprendem menos do que esperado. Por isso, algumas pessoas defendem que é mais importante apostar no básico e em ensinar os conteúdos tradicionais de forma mais qualificada. Outras acreditam que é necessário se preocupar em ensinar os conhecimentos cognitivos e, ao mesmo tempo, desenvolver capacidades que levem ao desenvolvimento integral dos estudantes. O senhor acredita que é melhor apostar em uma coisa de cada vez ou é possível fazer tudo isso ao mesmo tempo?

Lambert – Ambos os pontos são importantes. O texto preliminar da BNC não vai levar à evolução que o Brasil espera ter em sua educação. Por isso, os primeiros anos da escola deveriam ser focados em desenvolver os conhecimentos básicos da letramento e matemática, mas aprendizado é mais que isso. A experiência escolar deve contemplar o desenvolvimento de capacidades e comportamentos que os jovens podem incorporar às suas vidas agora e no futuro. O desenvolvimento integral é algo que pode ser alcançado, já foi realizado por outros países, existem técnicas sobre como isso pode ser feito, que podem ajudar o Brasil e o movimento de mobilização que busca incluir no currículo todas essas expectativas de aprendizagem. É importante entender que, à medida que os alunos evoluem na escola, se eles trabalharem todas essas capacidades, o aprendizado se torna mais relevante, as aulas ficam mais engajadoras e os resultados do sistema de educação serão melhores do que os registrados atualmente.

Porvir – Em termos práticos, quais devem ser próximos passos para a construção do currículo?
 

Lambert – Vocês têm um primeiro rascunho. Tenho certeza de que terão um segundo, depois um terceiro… É natural que ocorra um aprimoramento do currículo em relação a essa primeira versão. É preciso deixar a visão do que se espera que os alunos aprendam mais clara. Com isso em mente, os responsáveis pelas áreas de conhecimento no currículo devem revisar seus textos e inserir propostas que desenvolvam as capacidades escolhidas, sem perder os conteúdos relevantes para cada disciplina, mas garantindo que elas sejam integradas ao aprendizado das disciplinas. Há muito a ser feito, em um período curto de tempo, mas se forem estabelecidas prioridades, como por exemplo escolher áreas de conhecimento para serem realizadas e implementadas antes de outras, ajustar a progressão do aprendizado e elevar o nível de exigência sobre os alunos, isso pode ser alcançado.

Porvir – E como deve ser o trabalho de preparação dos professores para trabalhar essas capacidades?
 

Lambert – É difícil generalizar. Alguns professores ficarão muito entusiasmados para realizar esse trabalho e estão ansiosos por um currículo com esse olhar. A formação deve acontecer integrada com a implementação do currículo, a ser realizada pelos Estados e municípios. É preciso identificar algumas prioridades e não tentar fazer tudo ao mesmo tempo. Mas procurar as prioridades, garantir uma boa formação nessas áreas e dar apoio a esse trabalho. Material pedagógico também é muito importante. Esses recursos podem vir do setor privado, de ONGs, do governo. Certamente vai ser interessante para empresas e editoras produzirem materiais, uma vez que o currículo nacional cria uma demanda nacional.

http://porvir.org/desenvolvimento-integral-comeca-pelo-curriculo-diz-especialista-australiano/

“Só com educação jovens podem atender necessidades da economia”

 http://porvir.org/wp-content/uploads/2016/02/Cyril-Desponts.jpg


Para Cyril Desponts, designer do estudo global Youthonomics , Brasil precisa de uma reviravolta nas políticas públicas para que as perspectivas para os jovens melhorem

por Fernanda Nogueira 

A designer do estudo global Youthonomics, Cyril Desponts, é categórica ao falar sobre o que é preciso para melhorar a situação da juventude no Brasil: maiores investimentos em educação. Esse é o primeiro de uma lista de itens que inclui promoção de treinamento profissional, acesso a políticas de moradia, maior poder financeiro, controle das finanças públicas e aumento da participação política. “Desenvolver oportunidades educacionais é fundamental para assegurar que as competências adquiridas irão atender às necessidades da economia brasileira”, diz ela em entrevista ao Porvir.

O caminho é longo e muitas dificuldades terão de ser vencidas no país, de acordo com a designer, que se baseia nos dados usados para construir o ranking Youthonomics Global Index, criado pelo ex-presidente do Timor Leste e prêmio Nobel da Paz, José Ramos-Horta, e pelo ex-chefe de comunicações do International Herald Tribune, colunista e ativista Felix Marquardt.

O estudo avaliou dados de 64 países de acordo com o potencial de prosperidade de pessoas entre 15 e 29 anos em cada um deles. O Brasil ficou na 60a posição no índice geral, que leva em consideração 59 critérios, como taxas de desemprego entre os jovens, qualidade e custo da educação, capacidade de moradia, déficit público, acesso à tecnologia, liberdade religiosa e política.

O estudo tem como público-alvo eleitores, governos, e instituições internacionais, como o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional e agências de risco. O objetivo é trazer os jovens de volta ao centro do debate político mundial. Para isso, a equipe do índex fará campanha nas Nações Unidas e no mundo para a adoção de um visto mundial, chamado Global Youth Visa, que permita que pessoas com menos de 25 anos possam trabalhar por até dois anos em qualquer país-membro.

Outro projeto é medir quanto as plataformas políticas de candidatos a governos pelo mundo têm os jovens como foco. O grupo quer ainda desenvolver um aplicativo para busca de empregos pelo mundo, além da criar uma base anual de dados sobre a juventude.

O desempenho ruim do Brasil foi parecido com o de outras grandes economias em desenvolvimento, como Rússia, Egito e África do Sul. O país ficou à frente apenas de Uganda, Mali, África do Sul e Costa do Marfim. O índice mostra uma clara divisão entre países desenvolvidos e nações em desenvolvimento. As grandes economias mundiais lideram, como mostra a lista, na ordem: Noruega, Suíça, Dinamarca, Suécia, Holanda, Austrália, Alemanha, Finlândia, Áustria e Canadá.
 
Eles [os jovens] são o ativo mais importante do Brasil em um mundo que se movimenta rápido. Maltratar a juventude não é só injusto e imoral. É uma visão perigosamente curta. Este tipo de movimento [ocupações de escolas] é capaz de ajudar a levar os jovens de volta ao centro do debate político.

O índice traz subíndices, como o que mede a situação atual da juventude, o Youth Now, e o que mede perspectivas, chamado Youth Outlook. O Brasil figura na 54a posição no subíndice que fala sobre o presente. Os temas estudados foram educação básica, universidade e habilidades, acesso ao emprego, trabalho e condições de vida, bem-estar e saúde.

No subíndice sobre perspectivas, o país se sai pior, ficando em penúltimo lugar, na 63a posição, quando o assunto são finanças públicas, oportunidades econômicas e peso político. O ranking considera estes três temas para calcular a taxa de otimismo da juventude no país, o Youth Optimism. O Brasil ficou na 32a colocação.

Isso não quer dizer, no entanto, que o país têm reais chances de melhorar a vida dos jovens, segundo Cyril. A posição significa apenas que há países em situação pior. “O Brasil não se classifica bem em otimismo. São outros países que se saem pior neste ranking, principalmente porque estão atualmente bem posicionados”, explica a designer.

Um país ideal, o Youthtopia, criado pelos pesquisadores para identificar boas práticas, teria características dos países líderes de cada um dos nove pilares do estudo, como a educação básica da Eslovênia, a universidade, as habilidades adquiridas e o acesso ao emprego da Suíça, as condições de trabalho e vida e as finanças públicas da Noruega, o bem-estar da Holanda, a saúde de Israel, as oportunidades da China, o peso político de Gana e o otimismo de Uganda.

Nos próximos meses, a equipe do Youthonomics pretende analisar as informações dos países de forma mais minuciosa e desagregada para divulgar novos relatórios com dados específicos de cada país. Para o Brasil, Cyril deixa um alerta. “Será preciso uma real reviravolta na política para que as perspectivas para os jovens melhorem”. Confira a entrevista com a designer:

Porvir – O que você acha da posição do Brasil no índice?
Cyril Desponts – 
A situação da juventude no Brasil é extremamente preocupante, já que acumula três categorias gerais de problemas. Primeiro, tem questões características de países em desenvolvimento: maus resultados em saúde, educação e universidades. Segundo, a atual geração jovem sofre com problemas econômicos conjunturais: alto índice de desemprego entre jovens e altas taxas de jovens sem emprego, sem educação e sem treinamento, assim como baixo crescimento atual e esperado. Terceiro e último, há problemas parecidos com os de economias avançadas: a situação das finanças públicas é preocupante – a dívida atual e o déficit são altos, mas, além disso e mais importante, gastos futuros em saúde e pensões irão pesar fortemente sobre a próxima geração de pessoas ativas, que terá de financiá-los: a juventude. O Brasil tem ainda o pior resultado da amostra em relação à vulnerabilidade financeira da juventude. Será preciso uma real reviravolta na política para que as perspectivas para os jovens melhorem.


Porvir – Qual sua opinião sobre as informações do Brasil relacionadas à educação?
Desponts – Quando falamos sobre educação pré-universitária, o que as informações disponíveis sobre o Brasil parecem sugerir é que as crianças vão à escola, mas a educação é de baixa qualidade. Após a educação secundária, as informações sugerem que poucos jovens brasileiros prosseguem por muito tempo nos estudos, enquanto que a qualidade desta educação não é das melhores. A educação profissional também não é muito difundida, e desenvolver estas oportunidades educacionais é fundamental para assegurar que as competências adquiridas irão atender às necessidades da economia brasileira. Embora tenham crescido na última década e meia, os gastos públicos com educação ainda são baixos quando comparados com a quantidade de jovens, e o maior investimento em educação é fundamental para aumentar a qualidade da educação. O Brasil tem poucas informações comparáveis sobre educação disponíveis. Coletar e publicar este tipo de dado poderia também ser um passo importante para uma melhor análise das necessidades do sistema educacional, e melhores políticas para os jovens.


Porvir – Que tipo de políticas para a juventude você vê como mais urgentes no Brasil?
Desponts  – Até agora, o índice global Youthonomics, por meio de seus subcomponentes (pilares e subpilares), identificou áreas de vulnerabilidade, nas quais a análise será aprofundada gradualmente. Com comparações entre países, o Youthonomics irá identificar as melhores práticas em políticas para a juventude ao redor do mundo, que poderão ser reproduzidas por países como o Brasil. Elas podem incluir, mas não se limitam a apenas estes itens: maiores investimentos em educação; promoção de treinamento profissional, para adaptar melhor as habilidades dos jovens às necessidades do mercado de trabalho; acesso a políticas de moradia; maior poder financeiro, principalmente por meio de incentivos ao empreendedorismo; contabilidade geracional nas finanças públicas para garantir que passivos financeiros deixados para os jovens não constituam uma dificuldade maior do que eles serão capazes de suportar; políticas voltadas para o aumento da participação política dos jovens. Certamente, não há uma “pílula mágica”, já que a solução reside, em parte, no crescimento econômico, na criação de empregos e melhores condições de vida para o país como um todo, mas as políticas precisam assegurar que os jovens tenham e terão sua parte de forma justa.


Porvir – Nos últimos meses, tivemos no Brasil um movimento de ocupação de escolas públicas no estado de São Paulo, criado pelos próprios alunos. Eles decidiram protestar contra mudanças definidas pelo governo, como o fechamento de escolas e a mudança de estudantes para outros locais. Depois de muitos protestos, eles ganharam a batalha e o governador desistiu da mudança. Você acha que este tipo de movimento é capaz de melhorar a vida dos jovens?
Desponts – Este tipo de movimento surge porque os estudantes se sentem excluídos do processo decisório nacional. Nesses casos, é importante que eles tenham suas vozes ouvidas por meio deste tipo de movimento já que formas convencionais, como as urnas, deixaram de lhes fornecer uma representação adequada. O movimento fala em nome de uma geração que corre o risco de falhar por causa das elites políticas. Então eles precisam perceber quanta energia produzem, os jovens são o sangue vital da economia das nações, a base de seu potencial inovador, a chave para sua competitividade e para o futuro dos países. Eles são o ativo mais importante do Brasil em um mundo que se movimenta rápido. Maltratar a juventude não é só injusto e imoral. É uma visão perigosamente curta. Este tipo de movimento é capaz de ajudar a levar os jovens de volta ao centro do debate político.


http://porvir.org/so-educacao-jovens-podem-atender-necessidades-da-economia/

Declaração para um novo ano

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