O e-mail enviado na segunda-feira (25) pelo Ministério da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, para direções de escolas em todo o país, pedindo que alunos fossem filmados cantando o Hino Nacional e repetindo o slogan "Deus acima de tudo, Brasil acima de todos", foi duramente criticado por senadores durante audiência com o ministro nesta terça-feira (26) na Comissão de Educação, Cultura e Esporte (CE).
O slogan foi usado pela coligação do presidente Jair Bolsonaro durante a campanha eleitoral de 2018, e a intenção do governo era publicar as imagens na internet "como um sinal dos novos tempos". Após protestos de inúmeras entidades, o uso do slogan foi cancelado, mas o pedido de filmagens de crianças cantando o hino foi mantido.
Em entrevista coletiva concedida antes da audiência, e também nas respostas aos senadores, Vélez Rodríguez admitiu que o uso do slogan foi um erro. No que tange às filmagens, deixou claro que elas só poderão ser feitas se autorizadas pelos pais.
— Percebi o erro e pedi que não usem mais a frase. No e-mail enviado hoje às escolas, o Ministério também esclarece que qualquer imagem só poderá ser publicada se estiver dentro da lei. Ou seja, se contar com a autorização dos pais — esclareceu, protestando qualquer intenção de enquadrar a diretriz original como crime de responsabilidade, improbidade administrativa e uma afronta ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA , Lei 8.069, de 1990).
Repercussão no Senado
Para o senador Lasier Martins (Pode-RS), o ministro demonstrou ser "preparado e culto" ao se retratar e desistir da medida original. O senador considera incentivar os alunos a cantarem o hino "algo perfeitamente aceitável e louvável". Mas considera filmá-las algo indevido e o uso do slogan governamental "completamente descabido".
Para o senador Alessandro Vieira (PPS-SE), o início da gestão de Vélez Rodríguez tem sido marcado pela predominância de "um forte viés ideológico". O senador pediu que a pasta concentre mais esforços na melhoria da gestão, diante do gigantismo dos desafios a serem enfrentados na educação pública.
— O Brasil necessita de qualificação do ensino e a superação de enormes gargalos, em vez de medidas midiáticas. Temos 45 milhões de estudantes nas escolas públicas, com 60% delas sem redes de esgoto, 50% sem bibliotecas e 10% sem nem sequer energia e água. Um ministro do governo [em referência a Onyx Lorenzoni, da Casa Civil] disse que era preciso despetizar o Estado, mas penso que a educação e outras áreas também não precisam de uma bolsonarização ou coisa parecida — disse Vieira, cobrando da pasta a definição de um plano efetivo de gestão a ser apresentado ao país.
O senador ainda reclamou que priorizar o homeschooling (ensino em casa) ou a militarização das escolas também está longe de resolver os problemas. Lembrou que o homeschooling só é praticado por cerca de 7.500 famílias, e que as escolas comandadas por militares "mal chegam a duzentas".
Já o senador Fábiano Contarato (Rede-ES) pediu a diretores e professores que filmem a ausência de infra-estrutura que marca a maioria das escolas públicas, assim como seus próprios contra-cheques, e enviem as imagens para o Ministério.
— Quem sabe assim o governo perceba o que deve priorizar, porque a impressão que vocês passam é que ainda não se tocaram da realidade. Há escolas convivendo com esgotos a céu aberto, com ausência total de segurança... Vocês falam tanto contra ideologia, mas tentam implantar uma, ao tentar filmar crianças repetindo slogans. O caminho tomado pela pasta até o momento não é razoável.
A senadora Daniella Ribeiro (PP-PB) é outra que acha que o Ministério está errando nas prioridades.
— É preocupante perceber os temas que a pasta tem trazido. Não vem ao encontro da realidade e da urgência para a adoção de medidas concretas. Neste caso falo ainda como mãe, me incomodaria também, neste sentido, ver uma criança minha sendo obrigada a cantar o hino e a ser filmada. Pode ser caracterizado como um constrangimento se não for espontâneo — disse a senadora, que pediu ao ministro a revogação total da medida. Ela também acha que o governo confunde educação com ideologia, e que a maior parte da população espera mais do que isso nesta área.
A ação do governo também foi criticada pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP).
— É assombroso o pedido para que crianças sejam filmadas repetindo slogans, ferindo de forma tão flagrante a lei. Onde estão a cabeça dos senhores? Isto se caracteriza como crime de responsabilidade e fere a Constituição, que prevê a impessoalidade como um princípio da administração pública.
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)
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