Rodivaldo Ribeiro
Maria Anffe
O pequeno Jefferson já conseguiu arrecadar mais de 5 mil livros para a biblioteca comunitária em VG
Um menino de apenas 12 anos, certa vez, percebeu o quanto de poder havia nos livros por ele devorados. Além de entender os efeitos da dieta de conhecimento em si mesmo, notou seus amigos cada vez mais frequentando sua casa em busca do mesmo alimento.
Como o número de pessoas era cada vez maior e os espaços cada vez menores, foi ter com o avô. “Será que dá para construir uma biblioteca aqui, já que não tem uma nem na escola”? A resposta foi a melhor possível: “você conseguirá fazer qualquer coisa que quiser, desde que realmente tenha interesse e vá fundo nisso”. Foi o que ele fez.
E esse ato marca o começo da trajetória de Jefferson Gabriel da Silva Melo no que se refere às letras e seu feito até agora mais famoso. Ele decidiu (e conseguiu recursos para isso) montar uma biblioteca comunitária em frente à sua casa, no Distrito de Bonsucesso, parte da rota do peixe, em Várzea Grande, por meio de uma série de doações vindas de fontes tão díspares quanto o governo e a apresentadora infantil Xuxa Meneghel.
“Foi há cerca de um ano e meio que tivemos essa conversa. Quando ele falou a ideia, só pude responder que o ajudaria no que fosse preciso. Ainda não terminamos, mas agora é só questão de tempo”, explica ao , o avó de Jefferson Gabriel, seu Carlos, complementando que o neto se angustiava porque, após o colégio, queria estudar e o único meio encontrado era recolher livros velhos, doados.
A distância física (20 quilômetros, nos limites da cidade vizinha de Várzea Grande) e ideológica da comunidade ribeirinha do dia a dia da Capital era uma barreira criada somente pelo entendimento dos outros, pois Jefferson sabia como encurtar distâncias, reduzir fossos culturais. “Um dia uma tv veio ao colégio dele e ele falou a eles sobre a vontade que tinha de conseguir a biblioteca. Daí em diante começou a aparecer cada vez mais gente com livros para serem doados. Logo depois, apareceram os recicladores de livros”, além de outras equipes de mídia.
Um dia, a mãe o chamou para ir ao shopping de Várzea Grande. Já habituado a buscar as coisas por si, viu a apresentadora gaúcha radicada no Rio de Janeiro aqui. Pediu para tirar fotos, autógrafo. Contou para ela sua vontade e desejo não mais tão secretos assim. Ganhou um cheque de R$ 5 mil e a promessa de vir participar da inauguração do espaço. Por último, chegou o governo, que se comprometeu a ajudar a bancar o projeto.
Gilberto Leite
Avô de Jefferson Gabriel, seu Carlos conta que a construção ainda precisa de várias coisas para, finalmente, chegar ao acabamento e usufruto da comunidade de Bonsucesso, em Várzea Grande
Em quatro meses, já tinha mais de 1.600 livros; hoje, eles passam dos cinco mil, garante seu Carlos. Mas nem tudo são flores no caminho. Como as coisas chegam a conta-gotas, o telhado, por exemplo, nunca chegou, a construção ainda precisa de várias coisas para finalmente chegar ao acabamento e usufruto da comunidade, enfim.
Mas isso é preocupação para o avô, pois o rapaz, cursando o sexto ano do ensino fundamental, conseguiu uma bolsa de estudos para estudar na mais tradicional e antiga escola da cidade. Fora dessa rotina e da ansiedade por ver logo a biblioteca ficar pronta, o avô conta que ele faz o que deveria: joga futebol, brinca, se diverte com os amigos.
Da obra cuida o avô e um dos pedreiros, que só lamenta a demora para chegada do material. “Estou esperando essas telhas até hoje, se tivessem vindo, já podia ter assentado”, conta à reportagem. E o acervo reunido por ele inclui de tudo um pouco: há livros didáticos, enciclopédias, atlas, histórias em quadrinhos, clássicos da literatura.
Além dos dois, o sonho acabou encampando toda a família. O espaço é na parte da frente da casa da avó, a madrinha cuida da arrecadação do acervo, a mãe dele, Janice da Silva, se orgulha com toda razão do mundo. “Ele sempre divulga o trabalho que vem realizando e cada vez que faz isso aparecem mais doações. Quando é perto, ele mesmo vai buscar”, diz.
Consciente, o menino também vislumbra e torce por um aumento no gosto pela literatura em sua comunidade, especialmente entre os mais jovens, a partir do acesso à biblioteca.
Sabe bem que dá pra conciliar smartphones e notebooks conectados à web com o futebol e a leitura, mas quando é necessário optar entre um e outro, a literatura vence.
Os livros são guardados com todo o cuidado do mundo em prateleiras nos fundos da casa onde está sendo construída a biblioteca, mas o tempo nesse caso não faz o papel de aliado e a conclusão da obra é mais que urgente, sob o risco de volumes começarem a se perder.
Vontade não falta e até nome já tem: Boaventura Ferreira Gomes, pai do avô dele, seu Carlos, o primeiro a incentivar e a dar força para seguir no caminho do bom combate. Como um dia o pai dele, agora homenageado, um dia fez.