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Consultora Martha Gabriel |
Escrito por Carolina Maina
Educação distribuída em vários ambientes, incluindo os digitais, com maior foco no aluno. Para Martha Gabriel, consultora e palestrante nas áreas de marketing digital, inovação e educação, autora da obraEduc@r – A (r)evolução digital na educação (Ed. Saraiva), essas são as principais características do ensino na era das novas tecnologias. “Existir espaços físicos tanto quanto espaços virtuais é o [caminho] natural para esse cenário. Deve haver uma transformação das escolas para abraçar essa nova necessidade”, afirma Martha, em entrevista à Gestão Educacional. Ela destaca que as mudanças são profundas e acontecem no cérebro dos alunos e nas habilidades desenvolvidas, o que resulta em transformações sociais.
Apesar de a tecnologia estar presente no cotidiano de boa parte das pessoas, Martha comenta que o percentual de professores que usam a internet em sala de aula ainda é pequeno – em torno de 20%. Por isso, a transformação da escola passa pela capacitação e atualização do professor, que deve aprender a usar as ferramentas e a conectar com sua utilização o desenvolvimento das habilidades necessárias para os novos tempos: pensamento crítico, criatividade e conexão, tanto de dados quanto de pessoas. “O professor nunca foi tão importante. Ele é o agente catalisador dessa ‘paideia’ digital”, ressalta. Ela também chama a atenção do gestor para o fato de que a escola tem que estar atenta a todos os seus públicos – alunos, professores, pais, funcionários –, e sugere o uso da tecnologia para fortalecer a marca da instituição de ensino. Acompanhe, na entrevista a seguir, as orientações da especialista.
Gestão Educacional: O que se deve esperar da educação na era digital?
Martha Gabriel: A educação na era digital é muito mais focada no aluno e muito mais distribuída em vários ambientes. Assim, existir espaços físicos tanto quanto espaços virtuais é o [caminho] natural para esse cenário. Deve haver uma transformação das escolas para abraçar essa nova necessidade. As pessoas vão nascer e vão começar a utilizar [a tecnologia] dessa maneira. E elas não vão gostar de ficar confinadas. Estamos vivendo a segunda maior revolução cognitiva da história, e não temos noção de quanto isso vai impactar no desenvolvimento da sociedade. Veja quanta coisa que [antes] [era] impossível e começa [agora] a ser feita, de acordo com o que a gente observa nos últimos dez anos. A gente deve ver acelerando ainda mais nos próximos anos.
Gestão Educacional: E como a escola e o professor devem se preparar para esse cenário? Você ressalta que não adianta só dar a ferramenta tecnológica ao professor.
Martha: Exatamente. Defendo a educação para o professor. Precisa haver educação, capacitação, utilização de todas as ferramentas. E ele precisa entender não só como usar a ferramenta, mas como ela se conecta com outras. A palavra de ordem hoje é conexão, além de velocidade, mudança e inovação. Se ele [o professor] entender isso, vai ajudar o aluno a entender também, e aí vai encantar o aluno nesse processo. Há alguns vídeos que mostram que nada na história da humanidade foi feito por uma pessoa só. Tudo é remix, reaproveitamento, reutilização de invenção de outros, e a partir daí você vem com uma nova invenção. Nunca foi tão fácil fazer isso, hoje está tudo à disposição para qualquer um. Antes, você tinha que saber usar um editor de vídeo, agora está tudo muito fácil. O professor conseguir articular isso com os alunos é essencial. Mas ele precisa, primeiro, ser capacitado. Estamos vivendo um período de revolução – são os professores que vêm do passado para a atualidade. Os novos [professores] que virão, já vão ser criados nesse novo formato e daqui a 20 anos a gente não estará mais discutindo isso, porque será um processo natural.
Gestão Educacional: Que dicas você dá para o professor começar a utilizar a tecnologia e as redes sociais?
Martha: A primeira dica é: comece a usar. Tem que pôr a mão na massa, tem que capacitar, porque aí se começa a ter ideias. E a segunda é: não adianta só falar para o aluno “vamos ‘tuitar’, postem no Facebook”. O professor tem que orientar o que tem que ser feito, indicar qual é a atividade. Tem que dar aquele sparkle [brilho], tornar aquela coisa divertida. Se aquilo for colocado de maneira interessante, o aluno só prestará atenção no professor e vai usar essas plataformas para isso. Senão, na hora em que o professor falar: “pode todo mundo entrar no Twitter para fazer tal coisa”, eles vão, na realidade, checar os status deles e conversar uns com os outros. Agora, se o professor focar... há “n” exemplos de professores que já estão fazendo isso, nos quais o desempenho dos alunos tem sido sensacional, a satisfação [do aluno] é maior, [bem como] a do próprio professor, que se torna mais admirado, mais respeitado. A dica é: comece a usar. No começo, todo mundo usa mal qualquer coisa. Se eu for usar qualquer coisa que eu não conheço, eu vou [usar mal]. Depois, você adquire proficiência naquilo e aí você começa a fazer aquilo que gosta, por exemplo, conectar e ajudar os outros.
Gestão Educacional: Como tornar a aula mais atrativa para esse aluno da era digital?
Martha: Tem que usar o digital. E não está só lá [na escola]. Eu não consigo mais escrever um livro sem tecnologia. Às vezes, eu ouço o pessoal falar: professor tem que obrigar o aluno a estar [na sala] naquele momento, a fazer um trabalho obrigatório em sala de aula. Se o professor fizer isso, o aluno vai fazer, mas vai fazer por obrigação, com má vontade, com o coração irado. Se o professor engajar-se para o aluno fazer uma coisa divertida, ele vai lembrar-se dele para o resto da vida, [porque o professor] vai inspirá-lo. Há uma série de vídeos que mostra formas para se tentar fazer coisas que as pessoas não fazem com boa vontade. Um deles* mostra como fazer as pessoas optarem por subir em uma escada normal e não em uma escada rolante. Eu posso fechar a escada rolante, e você vai subir pela outra, xingando. Mas, eles [a produção do vídeo] colocaram, da noite para o dia, na escada normal, um piano. Cada degrau é uma tecla de piano [com som]. No dia seguinte, eles avaliaram quantas pessoas subiam pelo “piano” e quantas pela escada rolante. Aumentou consideravelmente a quantidade de pessoas que subiam pelo “piano”, e subiam e desciam felizes da vida. Ou seja, o professor vai ter que fazer esse “piano”, ele vai ter que fazer essas conexões para que o aluno queira, de boa vontade, estudar aquele conteúdo que é importante para a aula, para aquele momento.
Gestão Educacional: Diante de tudo isso, é necessária também uma readequação pedagógica do currículo?
Martha: Eu acho [que sim], porque hoje o currículo é feito como se o aluno fosse um soldado. Idade “x” a “y” aprende as mesmas coisas, e você tem que estar no mesmo nível de desenvolvimento do outro. E tem criança que, às vezes, é mais lenta no começo e depois ela acelera. Além de que, os interesses são distintos. Não precisa ser todo mundo igual, hoje o mundo é múltiplo. É necessária uma readequação – não digo para todas as idades, nem no currículo inteiro – de algumas coisas que são básicas, essenciais, e que dê abertura para interesses pessoais. [Dessa forma], a escola estaria propiciando uma diversidade social muito maior e as pessoas estariam fazendo coisas em que o coração está batendo forte. Para a gestão, hoje, o grande problema das empresas é que todo mundo pode empreender, não há mais fronteiras para as pessoas tornarem-se empreendedoras, é muito fácil, todo mundo está conectado, a tecnologia barateou. Você não retém mais na empresa as pessoas com talento, porque elas querem empreender fora. Como é que você faz para reter talento? Deixa empreender [na empresa]. Se a escola preparar pessoas que são capacitadas para empreender e que usem o coração, vai funcionar. Senão, não. Como é que você faz para os alunos usarem o coração? É só colocar foco nos interesses que eles têm no dia a dia, e eles fazem com todo amor. É uma reestruturação que eu acho que passa por professores. Não digo a educação em si, de como se engaja o outro, acho que o professor sabe fazer isso. Mas como articular tudo isso, fazer funcionar o que é múltiplo, fragmentado, descentralizado? Esse é um desafio que ainda não tem resposta, o mundo inteiro está estudando isso, e tentando, experimentando, para chegar a soluções que deem resultados melhores.
Gestão Educacional: Como a escola deve usar a tecnologia e as redes sociais de forma institucional?
Martha: Como qualquer empresa. É preciso ter branding [relacionado à gestão de marca], saber o que se quer, saber quem é o seu público-alvo ou os públicos-alvo) – é professor, é pai, é aluno, é no geral –, e tem que ter produtos para todos eles. Pensar na instituição como uma empresa. E todas as empresas estão enfrentando hoje o mesmo desafio, porque as pessoas têm voz, e elas podem criticar como elas podem elogiar. E nas escolas também – tanto os funcionários, quanto os alunos e os professores [têm voz]. É a mesma coisa [que uma empresa]. Tem que ter planejamento de marketing, pessoas que entendam de novas plataformas e saibam atuar nisso, [implantar] educação interna para cada colaborador, seja ele professor, seja ele funcionário de uma empresa, pois ele é porta-voz da empresa. A dica é: tem que fazer a lição de casa e se capacitar. A solução para tudo é a educação. Hoje, não se resolve nada sem educação. É o mesmo processo. E habilitando profissionais na área de marketing, que entendam do cenário digital.
*A ação, feita em conjunto pela agência de publicidade DDB e pela Volkswagen, foi implantada em um metrô de Estocolmo, na Suécia. Para assistir ao vídeo, acesse
www.youtube.com/watch?v=IzN9mYooxp0
+PARA LER
Educ@r – A (r)evolução digital na educação
Martha Gabriel
Editora Saraiva, 2013
256 páginas
R$ 49,00 (livro impresso)
R$ 44,10 (livro digital)
http://www.gestaoeducacional.com.br/index.php/reportagens/entrevistas/647-a-educacao-na-era-digital