sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Trajeto de alto risco

Instituições lançam campanha para reivindicar segurança no transporte escolar e alertam sobre a necessidade de repensar a divisão dos gastos entre os entes federativos


Christina Stephano de Queiroz


Manifesto lançado por mais de 30 instituições brasileiras no final de julho visa tornar público um debate que há muito preocupa gestores escolares: a falta de regras e recursos que garantam a segurança no transporte dos estudantes. O objetivo da campanha é pressionar o poder público a criar regulamentações que ajudem a prevenir acidentes, além de repensar a divisão dos gastos dos entes federados com a atividade.

Alessandra Françoia, coordenadora nacional da ONG Criança Segura, conta que o estado repassa muita responsabilidade aos municípios sem uma contrapartida justa, de forma que, em geral, as redes municipais acabam por assumir o transporte de todos os alunos, incluindo os que estudam nas redes federais e estaduais. “E como as prefeituras não possuem recursos para fazer todo esse transporte, adaptam vans para receber mais estudantes do que sua capacidade, sem oferecer as condições de segurança adequadas”, explica. Nesse sentido, ela conta que a campanha também pretende pressionar o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) para criar um fundo por meio do qual os prefeitos possam comprar micro-ônibus certificados pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro), que oferecem condições para o transporte seguro de estudantes. “Hoje, somente algumas cidades que estão negativadas conseguem adquirir esse veículo”, diz.

Para Sandra Helena Ataíde – ex-dirigente municipal de educação de Santarém (PA),  professora do Instituto Federal de Educação do Pará e colaboradora da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) – a dificuldade de acesso ao financiamento é o maior entrave para melhorar o transporte dos estudantes. Ela lembra que, depois do pagamento de servidores, a maior despesa das prefeituras corresponde aos gastos com transporte escolar e que o Programa Nacional de Apoio ao Transporte Escolar (Pnate) não é suficiente para custear todos gastos da gestão municipal com a área. “As verbas do programa são repassadas às prefeituras conforme o custo por aluno. No entanto, mesmo quando se consegue um percentual alto de repasse, ele não chega a 40% do total que se gasta com o transporte”, aponta Sandra.  De acordo com ela, a falta de recursos faz com que prefeituras do interior, por exemplo, aloquem carros inadequados para realizar o transporte escolar, principalmente em áreas rurais, onde costuma haver menos fiscalização.

Luz no fim do túnel?
Em busca de caminhos para melhorar o transporte de alunos sem onerar os cofres municipais, Daniel Cara, coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, acredita que é necessário elaborar novas formas de colaboração entre os entes federados e também pensar em alternativas como o Passe Livre – que permite o transporte gratuito de estudantes em ônibus da cidade. Ele lembra do projeto de lei aprovado em maio no Recife, que prevê o passe livre no transporte público para estudantes da rede municipal de ensino que cursam do sexto ao nono ano do ensino fundamental. A iniciativa também isenta de pagamento os acompanhantes de crianças com deficiência que necessitam de ajuda para chegar até a escola. A lei, que deve beneficiar cerca de 90 mil alunos, foi criada a partir da negociação com o Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Pernambuco. A prefeitura pagará à companhia responsável somente metade da tarifa cheia da passagem por aluno, o que deve representar uma despesa de cerca de R$ 1 milhão. “É um projeto interessante para solucionar o problema do transporte de alunos com mais de 12 anos dentro das cidades. No entanto, não serve para resolver problemas relativos ao transporte intermunicipal e tampouco de crianças da primeira infância”, avalia Cara.

A professora da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio Grande do Sul Marta Luz Sisson de Castro relata o caso do município de Rio do Sul (SC) que conseguiu resolver impasses com uma regulamentação eficiente. A pesquisadora conta que a cidade enfrentava problemas relacionados ao percurso dos ônibus escolares. A secretaria de Educação desenhou um trajeto conforme as necessidades da população e, ao perceber que a iniciativa funcionou, transformou esse trajeto em lei, garantindo a padronização do processo, com horários predeterminados, uma rota certa e a supervisão de monitores. “Transformar projetos que deram certo em lei garante a continuidade na mudança de gestão”, diz Marta. Segundo ela, não há uma solução única e é necessário elaborar regulamentações específicas, que considerem a quantidade de alunos da cidade, a distância até as escolas,  características do terreno e o perfil de quem será transportado.

10 perguntas sobre transporte
Veja abaixo um roteiro de dúvidas mais comuns dos gestores e as respostas do FNDE e de especialistas sobre os programas voltados para o transporte escolar do governo federal:
1 Quais os principais programas do governo federal na área de transporte escolar? 
Há dois programas do MEC voltados ao transporte de estudantes: o Caminho da Escola e o Programa Nacional de Apoio ao Transporte Escolar (Pnate), ambos inicialmente voltados a alunos que vivem em zonas rurais. Por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o Caminho da Escola oferece uma linha de crédito a estados e municípios para compra de ônibus, miniônibus, micro-ônibus e embarcações novas. Já o Pnate, válido para toda a Educação Básica, transfere recursos financeiros para custear gastos com reforma, seguro, licenciamento, impostos, taxas e manutenção de veículos e embarcações usadas para o transporte de alunos na área rural. Também pode ser usado para contratar empresas terceirizadas de transporte escolar. 

2 O transporte de professores pode ser incluído no transporte escolar? 
O repasse feito com recursos do Pnate não prevê o transporte de docentes. No entanto, como é a prefeitura que se responsabiliza pelos gastos, caso a situação ocorra, a municipalidade deve prever e definir o assunto em sua regulamentação. “Em localidades nas quais não há transporte público para levar o professor até a escola, muitas vezes o único meio de transporte desses profissionais é o ônibus escolar. Com isso, a prefeitura precisa considerar a situação em sua regulamentação”, explica Sandra, da Undime.   

3 Crianças de creche só podem ser transportadas na cadeirinha?
De acordo com o FNDE, a regulamentação do Conselho Nacional de Trânsito (Contran) estabelece a obrigação de cadeirinha para crianças de até sete anos e meio somente para veículos privados. Ou seja, o transporte escolar, bem como táxis, transporte coletivo, veículos de aluguel e caminhões, estão isentos dessa lei. Com isso, a regulamentação por parte do ente federado, seja estado ou município, é que deve esclarecer a forma correta de transporte de crianças pequenas.

4 Pais de crianças pequenas podem ser transportados com as crianças, para cuidar delas durante o trajeto?
Segundo Sandra, da Undime, há uma orientação – e não uma lei – que diz que creches e pré-escolas devem ser localizadas próximas à zona onde os pais das crianças vivem ou trabalham, dispensando assim a necessidade de transporte escolar. Por esse motivo, não está prevista a presença dos adultos dentro dos veículos, embora isso aconteça em algumas regiões. Sandra ressalta, entretanto, que com a tendência crescente de fechamento de escolas no campo, muitas crianças passam a ter de percorrer longas distâncias para poder estudar. “O novo Plano Nacional de Educação (PNE) exige que, até 2024, 50% das crianças brasileiras sejam matriculadas nas creches. Com isso, será necessário pensar em formas mais seguras para transportar os alunos menores.” Já Alessandra, da Criança Segura, lembra que é comum que os monitores dos veículos escolares ou até mesmo crianças maiores carreguem os menores no colo, o que representa um risco grave a todos que estão sendo transportados. “Além da falta de cadeirinhas e cintos de segurança adequados, esse tipo de situação faz com que o monitor não possa se ocupar do embarque e desembarque das outras crianças”, alerta. Para ela, ainda que não esteja previsto em lei, as crianças sempre devem ser transportadas em cadeirinhas. 

5 Que outros itens de segurança devem ser adotados para garantir o transporte seguro das crianças?
Conforme as determinações do manifesto redigido em julho, Alessandra, da Criança Segura, explica que os gestores devem exigir a presença de um monitor no transporte escolar; realizar investimentos na formação de condutores dos veículos; estabelecer o uso obrigatório de veículo micro-ônibus, em um padrão certificado pelo Inmetro, para exercer a atividade; determinar a obrigatoriedade do uso de cadeirinha ou cinto de segurança de três pontos pelas crianças de acordo com sua idade; exigir que as escolas destinem locais adequados e seguros para o embarque e desembarque dos alunos, entre outros requisitos.
6 Alunos que frequentam escolas técnicas em outras cidades podem usar o transporte escolar? Se o estado não assume os custos, o município deve arcar com as consequências?
Sim, o município deve assumir o transporte desses alunos. No entanto, de acordo com o FNDE, a responsabilidade por esse ônus é do estado. Sandra, da Undime, explica que, caso o aluno de uma escola estadual seja transportado por meio de um veículo mantido pelo município, o estado deve solicitar ao FNDE que repasse o custo aluno à prefeitura. Algumas secretarias estaduais de Educação custeiam esses gastos estabelecendo convênios, no entanto Sandra garante que nem sempre esse tipo de opção cobre todos os gastos da prefeitura. “Na cidade onde fui gestora, o convênio estabelecido pelo estado cobria cerca de 10% dos gastos da prefeitura para transportar alunos de escolas estaduais”, diz.
7 O município pode arcar com o transporte escolar de alunos de regiões distantes que cursam o ensino superior?
Se essa região distante estiver sob a jurisdição desse município, sim. Mas o FNDE esclarece que a cidade precisa prever esse tipo de situação em sua regulamentação local. Além disso, os ônibus escolares que fazem parte do programa Caminho da Escola podem ser utilizados para transportar estudantes da zona urbana e da educação superior, conforme regulamentação do ente federativo, desde que não se prejudique o transporte dos estudantes da zona rural.

8 Alunos de escolas técnicas em outras cidades podem usar o transporte escolar?
Da mesma forma que o item anterior, essa situação deve ser prevista e regulamentada conforme as condições de cada município. Daniel Cara, da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, aconselha os gestores a buscarem acordos com o governo federal para ajudar a pagar os custos nesse tipo de situação, na medida em que grande parte das escolas técnicas do Brasil é federal.

9 Qual o melhor veículo para estradas de terra muito ruins?
“Nos modelos rurais do Caminho da Escola, estamos avaliando um protótipo de veículo de pequeno porte (tipo utilitário fora de estrada) com capacidade para 10 ou 12 alunos, feito em plataforma de veículo militar, para permitir a circulação nas vias em severo estado e travessias de pequenos rios ou áreas alagadas”, explica José Maria Rodrigues de Souza, coordenador-geral de Apoio à Manutenção Escolar do FNDE.

10 Quais as opções para o transporte de alunos com deficiência?
Para atender estudantes com deficiência que usam cadeira de rodas, além do Ônibus Urbano Acessível, equipado com plataforma elevatória, o Caminho da Escola deverá ter, já em 2015, um modelo de Ônibus Escolar Urbano de pequeno porte com piso baixo (altura do meio-fio ou calçada) na área central do veículo, para permitir o acesso de cadeirantes. “Essa facilidade dispensa a necessidade de outros equipamentos ou outra pessoa”, explica Souza, do FNDE.

http://revistaescolapublica.uol.com.br/textos/40/trajeto-de-alto-risco-326530-1.asp

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