A rotina na Escola Estadual Terra Nova, localizada no Assentamento da 10ª Agrovila, no município de Terra Nova do Norte (MT), a cerca de 670 quilômetros de Cuiabá, começa cedo. Logo depois do café da manhã, por volta das 7 horas, os estudantes – divididos em equipes, em esquema de rodízio – seguem para o trabalho prático. Orientados por um professor-monitor, distribuem-se entre o viveiro, a lavoura, o aviário, a horta, os insumos, o cuidado dos animais, o processamento, a fruticultura ou a cozinha. Há também os responsáveis pela organização, pelo apoio administrativo, pelo registro informativo e pelas atividades culturais e esportivas.
À tarde, depois do almoço e da sesta, vão para a sala de aula, onde aprendem os conteúdos teóricos e partilham os saberes adquiridos com a experiência prática. No fim da tarde, antes do jantar, os jovens têm um momento de recreação. E, para encerrar o dia, uma atividade noturna da qual todos, professores e estudantes, participam: às segundas-feiras, o planejamento da semana; às terças, dinâmicas e palestras; às quartas, a “mística” – representação artística coletiva que lida criativamente com temas e fatos do cotidiano do grupo; às quintas, avaliação da semana. Na sexta-feira, os jovens retornam para suas casas a fim de passar uma semana com a família, aplicando o que aprenderam na escola em seus próprios sítios e registrando tudo no “caderno de campo”.
Vai e vem
Eis um exemplo bem-sucedido da combinação entre a pedagogia da alternância e a educação profissionalizante em período integral numa escola do campo pertencente ao sistema estadual. Enquanto uma turma está no tempo-comunidade, a outra retorna à instituição. Deste modo, a instituição consegue atender tanto os estudantes do município-sede, Terra Nova do Norte, quanto um grupo vindo de distritos e municípios num raio de até 100 quilômetros. Graças à parceria com as prefeituras, o transporte dos jovens é garantido. “Essa é a riqueza da alternância: o conhecimento vai e vem”, diz Ricardo Martins dos Santos, um dos fundadores da escola. “Os conteú-
dos que os meninos aprendem aqui precisam servir para a vida e devem ser ferramentas de transformação social.”
O curso dura quatro anos, e a avaliação dos alunos não se apoia no sistema de notas, mas sim no acompanhamento de seu aprendizado por meio do caderno de campo, dos trabalhos exigidos ao longo dos semestres e da participação nas atividades. A formação humana está na base do ensino da escola Terra Nova. “Trabalhamos para que o estudante se faça sujeito”, comenta Ricardo. A boa convivência se orienta por regras debatidas e decididas coletivamente, entre diretores, docentes e alunos, apostando no método ver, julgar e agir. “Nossas reflexões são feitas sempre em grupo”, afirma o professor João Latres, monitor da equipe de registro e mídias.
Enganando as borboletas
Boa parte dos alimentos usados nas refeições provém da própria produção da escola. O manejo é agroecológico e, portanto, não há a utilização de inseticidas ou outros agentes tóxicos. No dia da visita da reportagem, o professor Lucas Ferraz de Queiroz, responsável pelo viveiro e pelos canteiros de hortaliças, ensinava uma técnica de prevenção e controle de insetos. O método agroecológico, batizado pelos alunos com o poético nome de “Enganando as Borboletas”, consistia em pulverizar uma essência feita com lagartas trituradas.
A escola Terra Nova surgiu de um sonho conjunto dos educadores Ricardo, Luzinei Lorenti Cortezan e Valter Kuhn, com apoio da comunidade. A história do trio remonta aos idos de 2006, quando Luzinei era diretor da Escola Municipal São Pedro, no Assentamento São Pedro, também em Terra Nova do Norte; Ricardo, professor de matemática naquela instituição, e Valter, secretário de educação do município. Embora atendesse alunos do campo, a escola reproduzia características urbanas e o índice de evasão era alto. Motivados pelos princípios da educação do campo, os dois professores haviam elaborado um projeto inovador para a São Pedro, baseado em muito diálogo com os outros docentes e com as famílias.
A proposta era oferecer Educação Básica em regime de alternância e assim possibilitar às crianças e adolescentes uma compreensão prática do meio em que viviam. No tempo-comunidade, os professores acompanhariam de perto as atividades dos estudantes, que seriam divididos em grupos de trabalho. Valter Kuhn logo encampou a proposta.
Pouco tempo depois, convidados a participar da gestão municipal, Luzinei e Ricardo deixaram a escola; em 2010, por questões políticas, a São Pedro foi fechada. Os três decidiram, então, pôr em prática o plano de criar uma escola de ensino médio em consonância com a realidade do campo. “Percebemos que os meninos maiores precisavam de uma formação técnica, com a qual pudessem ajudar suas famílias. A escola seguiria os mesmos princípios da São Pedro, mas ofereceria um curso profissionalizante de quatro anos em período integral”, conta Luzinei. A associação de agricultores da 10ª Agrovila cedeu um barracão, que eles logo reformaram e transformaram na primeira sede, e doou um terreno, onde se encontram as novas instalações, recém-inauguradas. A cooperativa local também se dispôs a ajudar.
A escola, que começou com 33 alunos em 2010, hoje atende 217 jovens. A primeira turma se formou em dezembro de 2013. Os docentes também permanecem na escola durante a semana e só retornam para casa no fim de semana. Têm um ritmo de trabalho puxado, mas sua dedicação é reconhecida pelos estudantes, que veem neles verdadeiros mestres. “Os professores se importam com a gente”, afirma Yuri Yalle, estudante do 3º ano da turma regional.
http://revistaeducacao.uol.com.br/textos/207/entre-a-escola-e-a-comunidadesistema-de-alternancia-garantiu-que-318188-1.asp
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