segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Gustavo Ioschpe: Seu valor é determinado por seu salário?

UPTON SINCLAIR, o socialista utópico, sabia das coisas: “É difícil conseguir que uma pessoa entenda algo quando o seu salário depende de que não entenda”
UPTON SINCLAIR, o socialista utópico, sabia das coisas: “É difícil conseguir que uma pessoa entenda algo quando o seu salário depende de que não entenda”      (Hulton Archive / Getty Images)
Você acha que os médicos brasileiros ganham bem? Eles têm os maiores salários médios do país. Pois saiba que um médico americano ganha quatro vezes mais. Eu já ouvi muitos argumentos para explicar como melhorar o quadro da saúde brasileira. Inclusive do pessoal que diz que faltam verbas para o setor e que a solução é investir mais, ressuscitar a CPMF, entre outras. Mas não me recordo de ter ouvido alguém sugerindo que o problema era o salário dos médicos. Nem, muito menos, que as diferenças entre o sistema de saúde brasileiro e o americano se explicam pelo fato de que os nossos médicos ganham quatro vezes menos do que seus colegas americanos.
E os nossos dentistas? É a segunda carreira mais bem remunerada do país. Não sou especialista no setor, mas acho que estão fazendo um bom trabalho: o sorriso dos brasileiros é bem mais arrumado do que o de habitantes de outros países em desenvolvimento, como, por exemplo, os chineses, e até de países ricos, como os ingleses. Mas, veja só, coitados! Ganham 5,4 vezes menos do que os dentistas americanos, que levam para casa, anualmente, o equivalente a 346 000 reais, contra 64 000 reais dos brasileiros.
E os advogados brasileiros? Como mostra a fábrica de pizzas que sai do nosso Judiciário, certamente devem estar entre os melhores do mundo. Mas, mordam-se de inveja: os advogados americanos ganham 4,4 vezes mais. De novo, já li muitas análises sobre o que precisa ser feito para melhorar nosso sistema legal, mas não me recordo de nenhum protesto da OAB sugerindo que nossas deficiências se explicam pela distância entre o salário dos nossos causídicos e seus congêneres do Hemisfério Norte.
O que dizer então de nossos artistas? Sinceramente, acho-os melhores do que os americanos, especialmente na música. Como explicar então que ganhem quase quatro vezes menos do que os compatriotas de Madonna? E nossos profissionais de marketing e propaganda, que todos os anos levam uma enxurrada de leões em Cannes e criam promoções e eventos tão criativos? Quantos Washington Olivetto e Nizan Guanaes os americanos produziram? Quantos Rock in Rio e carnavais? Nenhum. Mas - ó destino cruel - nossos profissionais de marketing e propaganda recebem 3,5 vezes menos que seus concorrentes americanos. Não 3,5% menos, nem 35% menos: 3,5 vezes menos. E, por mais criativos e originais que sejam nossos publicitários, ainda não vi nenhum deles sugerir que, se ganhassem 3,5 vezes mais, seriam ainda mais espetaculares.
Essas diferenças são praticamente iguais para qualquer profissão de nível superior que você queira comparar - os dados de vinte delas estão disponíveis em twitter.com/gioschpe. Na média dessas profissões, os americanos ganham 3,55 vezes mais que os brasileiros. Se retirarmos engenheiros e arquitetos da conta, a relação vai a 3,76. Entre essas carreiras, está a dos profissionais da educação. Os americanos ganham 3,97 vezes mais do que os brasileiros. Ou seja, a diferença entre professores brasileiros e americanos está bastante em linha com a observada em todas as demais profissões. Se você acha que o professor brasileiro ganha pouco, deveria notar que ganha pouco por ser brasileiro, não por ser professor.
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http://veja.abril.com.br/noticia/educacao/gustavo-ioschpe-seu-valor-e-determinado-por-seu-salario

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