Viviane Saggin
viviane@gazetadigital.com.br
A vinda e a permanência em outro país nem sempre é algo fácil e adaptável momentaneamente. Às vezes leva-se um bom tempo para se acostumar, além dos costumes, frequentemente, diferentes, o idioma é sempre o maior desafio. Foi pensando nisso, que uma escola em Cuiabá implantou no início do ano letivo um projeto que busca ensinar a língua portuguesa a crianças e adolescentes estrangeiros da comunidade.
Preocupados que a baixa proficiência em português dos alunos dificultasse ainda mais a interação dos estudantes com seus colegas e professores, comprometendo sua inclusão e aprendizagem, a Escola Municipal de Ensino Básico José Luís Borges Garcia, no bairro Bela Vista, em Cuiabá, desenvolve o projeto “Timoun Yo” – que significa crianças em crioulo, língua natural haitiana.
Reprodução
Tudo começou com a chegada do secretário escolar Rafael Lira, na unidade escolar. “Em 2013, após estudar em um seminário teológico, decidi passar um período no Haiti, me dedicando ao trabalho voluntário. Durante nove meses no país, entre as atividades que desenvolvia estava o ensino da língua portuguesa em uma escola local. Quando retornei a Cuiabá, foi convidado a integrar um projeto da Secretaria de Estado de Educação (Seduc) voltado para o atendimento de haitianos. Então, em 2016, passei a fazer parte do quadro de servidores municipais, mas sempre com a ideia de manter um projeto social nesse sentido”, explica.
Como secretário escolar, o técnico administrativo sugeriu à direção da EMEB José Luís Borges Garcia a instalação de um projeto para reforçar o aprendizado do português para crianças e adolescentes estrangeiros, já que a Capital estava recebendo muitos refugiados. “Quando abriu a vaga para essa escola, eu vim já sabendo que a unidade atendia alguns imigrantes. Atualmente são 15 crianças estudantes regulares”.
Reprodução
Com o aval da gestão escolar, buscou parceiras com uma pedagoga mestranda da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Renata Rodrigues, e juntos deram início ao projeto de forma voluntária. “A diretora e a coordenadora abraçaram a ideia, pois já tinham o desafio de lidar com a dificuldade de comunicação. Muitos desses alunos chegam sem conhecimento nenhum do idioma, principalmente os venezuelanos”.
A iniciativa
O projeto ocorre aos sábados, das 9h às 11h, e atende atualmente cerca de 10 a 15 crianças, entre 7 e 14 anos, que frequentam do 3º ao 7º ano do ensino fundamental. “Mas não são apenas alunos da escola. O projeto abarca estudantes da comunidade e da rede municipal interessados em aprender a língua do país que os acolheu – são haitianos, venezuelanos e dominicanos”, cita Lira, destacando que a iniciativa é aberta a quem quiser.
Entre o conteúdo aplicado estão a conversação, vocabulário, assuntos práticos do cotidiano, leitura e escrita. “O planejamento de aula fica por conta da Renata e eu atuo como auxiliar dela. Por enquanto, não há certificado de participação, pois estamos estruturando. Mas há essa possibilidade, porém, a ideia é amenizar o impacto do choque cultural que essas crianças enfrentam ao chegar a um lugar com cultura e língua diferentes”.
Ele destaca ainda que se trata de uma ação de apoio e de inclusão, a partir do contexto social que atinge todos os estados brasileiros, que é a chegada de famílias estrangeiras ao país por diversas circunstâncias e motivações, o que
significa também, dizer que uma mistura de culturas se faz presente num mesmo espaço geográfico, lembrando de uma questão que implica nas relações entre esses povos, ou seja, a comunicação.
"A nossa escola, não obstante desta realidade posta acima, recebe constantemente alunos de outras nacionalidades, sendo mais frequentes venezuelanos e haitianos. Trata-se, portanto, de um projeto humanitário e inclusivo e também social. O primeiro semestre foi mais experimental, trabalhamos conteúdos conforme a demanda, semanalmente. Para este semestre, a pedagoga já realizou o planejamento integral. Mas nesse curto período, já percebemos a diferença e a evolução das crianças”.
O idealizador afirma que os estudantes são muito aplicados. “O comportamento, em geral, é de muita disciplina. Os professores da escola elogiam a postura e a dedicação deles”.
A coordenadora pedagógica da escola, Ediana Andrade, está na função há dois anos, e aponta que o habitar outro país, cuja língua e a cultura são total ou parcialmente diferentes das suas, faz com que os sujeitos se sintam em meio a um caos enunciativo. Com o projeto, perceberam uma grande evolução desses estudantes, tanto na comunicação e interação com os outros, quanto no aprendizado das demais disciplinas.
“Eles têm um avanço em sala de aula até melhor do que o dos nossos alunos brasileiros. Percebemos que eles são bem esforçados e comprometidos com os estudos. O projeto tem ajudado muito a todos”.
Reprodução
Bina Cherilus, de 10 anos, se mudou para Cuiabá com a mãe.
A haitiana Lourde Bina Cherilus, de 10 anos, que cursa o 4º ano da escola, é uma das participantes do projeto e diz que está satisfeita com o curso. “Eu gosto e estou aprendendo muito. Quando minha mãe está em casa, ela me traz. Se ela não está, não posso vir sozinha”, conta a menina com um português bem compreensivo, explicando que a mãe está trabalhando como diarista e não é sempre que pode acompanha-la.
Há cinco meses morando em Cuiabá com a mãe, Bina afirma que já possui muitos amigos na escola e o curso a ajuda a compreender melhor as pessoas. “Estamos apenas eu e minha mamãe aqui. Meu pai está no Canadá e outros familiares ficaram no Haiti”, conta.
O colega José Gregório Aguilera Marques, 12 anos, é venezuelano e está no 6º ano. Ele, que está há seis meses em Cuiabá, também aprovou a iniciativa do curso aos sábados.
Reprodução
José Gregório, 12 anos, frequenta o projeto desde o início do ano.
“Eu estou vindo todos os dias. É muito bom porque falamos mais com os colegas, somos todos venezuelanos e haitianos na sala, não tem brasileiros. Fazemos muitas tarefas e exercícios que ajudam”, explica o estudante, ressaltando que veio para o Brasil acompanhado dos pais, uma tia e uma prima. Para ele, o ambiente é bem diferente de onde estudava na Venezuela, mas a escola representa uma oportunidade de mudança e aprendizado para a nova vida que a família está vem busca.
No curso, o português é trabalhado como uma língua adicional, seja pelo contexto de imersão, ou pelo uso diário e pela manutenção da língua materna de cada aluno.
Material didático e ampliação
Rafael ressalta que enfrentam certas dificuldades em encontrar materiais didáticos e livros. “Estamos buscando recursos. Os materiais voltados ao ensino do idioma para crianças estrangeiras ainda são bem difíceis de encontrar, mas com pesquisas e dedicação vamos conseguindo ampliar”.
O servidor lembra também que a escola tem o intuito de ampliar o atendimento. “O projeto é aberto a toda comunidade. Temos capacidade para atender cerca de 20 a 30 estudantes”.
Ediara reforça a intenção e afirma que o projeto também está aberto a voluntários que queriam dedicar seu tempo ou doar materiais diferenciados, como jogos didáticos, livros de alfabetização, entre outros. “A aula precisa ser também diferenciada para não ficar uma coisa cansativa. Precisa ser atrativa e que estimule a participação e impeça a desistência dos alunos. Quanto mais ajuda nós tivermos, melhor”.
Reprodução
Ela declara ainda que a escola tem feito um trabalho de inclusão dos pais desses alunos, para que participem. “É importante que aprendam junto com os filhos, que falem o português em casa também. Estamos chamando outras unidades escolares para que divulguem entre seus alunos a nossa iniciativa. Não é apenas para a comunidade aqui ao entorno da escola e também independe da nacionalidade. Qualquer criança estrangeira pode participar”.
Os interessados podem procurar a unidade escolar – que na Rua prof. Lorivande Nunes Chaves, n° 699, Bela Vista, de segunda a sexta-feira, das 8h às 17h, e aos sábados das 9h às 11h. Mais informações podem ser obtidas na escola pelo telefone (65) 3313-3006.