sexta-feira, 20 de março de 2015

'Eu nasci de novo', diz avó que voltou a estudar por causa do neto

Maria das Mercês Silva, 66, voltou a estudar para ajudar no neto nas lições de casa
A faxineira Maria das Mercês Silva, 66 anos, queria ter ido para a escola quando era menina, mas o pai sempre achou que estudo era coisa de homem. Mulher tinha que se dar bem na cozinha, dizia ele. Sem saber ler e escrever, a menina cresceu, casou, cruzou o país, virou mãe, separou e tornou-se avó.
Depois de tantos capítulos vividos em Pernambuco, Paraná, Distrito Federal e São Paulo, ela diz que nasceu de novo. O renascimento começou há dois anos, quando, incentivada pelo neto, dona Maria passou a frequentar a escola pela primeira vez.
Mãe de nove filhos e com a família toda em São Paulo, a pernambucana radicada em Curitiba (PR) não perde uma aula sequer. Segundo a pedagoga Priscila Correia Costa, dos exercícios de matemática aos treinos de educação física, a vovó participa de todas as atividades propostas pelos professores da Escola Municipal Rachel Mader Gonçalves.
"Ela não falta aula. Empresta livros toda semana. Ela evoluiu muito", afirma Priscila. Maria está no 2º período do EJA (educação de jovens e adultos) – o equivalente ao 4º e 5º anos do ensino fundamental – em uma turma de 12 alunos com idades entre 36 e 71 anos.
O principal estímulo vem do neto Felipe Alexandre Feitosa dos Santos, 10 anos, que vive com a avó desde que tinha 1 ano e 6 meses. Sem contato com os pais desde então, o menino sempre foi incentivado a estudar pela avó. A situação se inverteu quando Felipe passou a pedir ajuda nas tarefas escolares e, como resposta, ouvia o choro de Maria. "Eu chorava porque eu não conseguia ajudar nas tarefas", lembra. "Vovó, vamos para a escola. Vai ser bom para você. Você vai aprender e vai me ensinar", passou a dizer o neto.
A senhora criada na roça cedeu ao apelo do neto e fez matrícula na escola. O primeiro ano foi de muitas faltas, mas, diante da marcação cerrada de Felipe, a assiduidade às aulas nunca mais foi um problema. Sempre que possível, avó e neto vão para a escola de bicicleta.
Enquanto Maria está em aula, Felipe aguarda em uma sala de acolhimento, onde brinca e desenvolve atividades educativas. "Ela já melhorou muito. Reconhece palavras, escreve e sabe ler. Eu costumo corrigir as lições dela, mas eu quero que um dia ela corrija as minhas", diz o "futuro advogado", que frequenta o 5º ano na Escola Municipal Marumbi.
A história de Maria das Mercês e Felipe chamou inclusive a atenção do poder público. Felipe tornou-se um herói mirim do projeto Kids of Curitiba, que retrata o perfil de crianças vencedoras e com histórias de superação no perfil da Prefeitura de Curitiba no Facebook.
Com os avanços que já obteve na escola, Maria orgulha-se em dizer que agora não tem mais medo de andar de ônibus. Antes, sem saber ler, era um desafio praticamente impossível. "Eu estou muito feliz. Estou igual a uma criança. Sabe quando a pessoa está cega e começa a enxergar? É isso que está acontecendo comigo hoje. Aprendendo a ler e a escrever, eu nasci de novo", diz a faxineira que sonha continuar os estudos para ser professora.

http://educacao.uol.com.br/noticias/2015/03/19/eu-nasci-de-novo-diz-avo-que-voltou-a-estudar-por-causa-do-neto.htm

terça-feira, 17 de março de 2015

Seduc cria comissão para discutir Ciclo de Formação Humana

O Sistema de Ensino Ciclado da rede estadual passará por uma ampla discussão. Para isso, o secretário de Estado de Educação, Permínio Pinto, determinou, por meio da portaria 070/2014, a formação de uma comissão para discutir o assunto com os profissionais da educação e entidades ligadas à área educacional em Mato Grosso.
A comissão será formada por técnicos da Secretaria de Estado de Educação (Seduc), Conselho Estadual de Educação (CEE), Universidade Estadual de Mato Grosso (Unemat), pela União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime-MT) e também União dos Conselhos Municipais de Educação de Mato Grosso (UNCME).
O Sindicato dos Trabalhadores do Ensino Público de Mato Grosso (Sintep) e Assembleia Legislativa também poderão indicar membros à comissão. A portaria, assinada nesta segunda-feira (16.03), foi divulgada no Diário Oficial, que circula nesta terça-feira (17.03).
O Sistema de Ensino Ciclado tem sido questionado por profissionais da educação, pais e estudiosos do tema. O secretário de Estado de Educação, Permínio Pinto, afirma que a atual gestão não tem preferência por sistema e qualquer definição será feita após uma discussão com os profissionais da educação e com alunos.
"Nosso foco é o aluno e vamos trabalhar o pedagógico. Precisamos avançar no ensino para que nos estudantes possam melhorar a proficiência. Os índices do Ideb, por exemplo, mostram que temos muito o que trabalhar, e na educação as coisas não acontecem em um ano", explica. 
A comissão poderá receber contribuições de representantes da sociedade civil organizada no decorrer dos trabalhos, que deverão ser concluídos em 180 dias a partir da publicação da portaria. A coordenação dos trabalhos da comissão competirá à Secretaria de Estado de Educação. 

Assessoria Seduc/MT

http://www.seduc.mt.gov.br/Paginas/Seduc-cria-comiss%C3%A3o-para-discutir-Sistema-Ciclado.aspx

quarta-feira, 11 de março de 2015

Até 2016, todas as redes devem elaborar seus planos de carreira docente






Estados e municípios precisam adequar seus planos às diretrizes nacionais e garantir o pagamento do piso nacional do magistério


Cristina Charão

Há poucas coisas no Brasil que podem ser classificadas como unanimidade. A necessidade de uma educação de qualidade para todos é uma delas. Outra é que alcançar essa meta nacional exige a valorização de uma figura-chave em todo processo de ensino-aprendizagem: o professor. Daí não ser difícil concluir que qualquer plano para democratizar e qualificar a educação deve, além de garantir as condições para que os docentes desenvolvam o seu trabalho no dia a dia, ofertar salários e uma perspectiva de carreira que atraia novos profissionais e valorize o conhecimento e a experiência de quem já está na rede.
Mas a tarefa de criar ou revisar os planos de carreira dos profissionais da educação também está na agenda do dia por questões legais. Embora seja uma exigência antiga, prevista no Artigo 206 da Constituição Federal e já delineada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) em 1996, o atual Plano Nacional de Educação (PNE) determina prazos para que estados e municípios implementem seus planos. Até 2016, todas as redes devem estabelecer carreiras adequadas às diretrizes nacionais, que garantam o valor do piso nacional do magistério como vencimento básico inicial da categoria e que, ao mesmo tempo, promovam a equiparação salarial desses profissionais ao dos demais trabalhadores de mesmo nível de formação.
"Discutir a implementação de planos de carreira em 2015 é quase uma discussão tardia", alerta Carlos Eduardo Sanches, ex-presidente da União Nacional de Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e ex-secretário de Castro (PR). Segundo ele, acaba-se "empurrando essa discussão" por ausência de capacidade técnica que equacione a realidade da gestão pública e as demandas dos profissionais, mas também porque efetivamente o que está no discurso muitas vezes não se torna medida concreta. "Discutir processo de valorização e, dentro do processo de valorização, o estabelecimento de carreiras atrativas, modernas, equilibradas não é discutir apenas uma pauta imposta pelo movimento sindical ou para atender às expectativas dos educadores. É muito mais que isso. Discutir valorização é atender a um dispositivo constitucional e investir na qualidade da educação", resume Sanches.
A prioridade da gestão de pessoal na educação é também uma questão de racionalidade, como chama a atenção Rubens Barbosa de Camargo, professor na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP). "Em qualquer lugar do mundo, qualidade da educação está relacionada a quanto se gasta com educação e o principal gasto com educação é o valor que se paga para o professor", lembra. Ou seja: um bom plano de carreira é, antes de tudo, um planejamento desse investimento fundamental e, portanto, uma exigência a ser feita para qualquer gestor que esteja comprometido com a qualificação da educação pública.
Heleno Araújo, secretário de Assuntos Educacionais da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) e diretor do Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Pernambuco (Sintepe), ressalta que a profissão docente é totalmente regulamentada, conta hoje com um piso nacional e tem mecanismos claros de entrada na carreira - os concursos públicos. "O que a profissão precisa é de organização e é essa a função dos planos", afirma. A razão para isso é simples: "uma profissão e uma carreira organizada resultam em profissionais mais motivados, mais alegres, mas dispostos dentro da escola".

Diversidade de planos
Essa organização se dá, hoje, de forma muito dispersa e variada. A Diretoria de Valorização dos Profissionais da Educação da Secretaria de Articulação com os Sistemas de Ensino do MEC (Divap/Sase) analisou os planos de carreira dos 26 estados, do Distrito Federal e das 26 capitais brasileiras. O estudo mostrou uma grande diversidade de critérios e formatos de planos. "Há planos mais ajustados à realidade pós-LDB. Por exemplo, na nomenclatura dos cargos: um de professor, no máximo dois - professor e pedagogo -, sendo que os professores podem desempenhar as mais diversas funções de suporte pedagógico na escola", relata Antonio Roberto Lambertucci, diretor da Divap. "E há planos que têm mais de 20 cargos, incluindo dentista, psicólogo, fisioterapeuta, entre outros que não são vinculados à educação, muito menos ao magistério."
Estas disparidades, afirma Lambertucci, são resultado do encontro da enorme diversidade de características das redes estaduais e municipais com a ausência de diretrizes específicas para a construção dos planos. Hoje, além das exigências legais presentes na LDB, na Lei do Piso e no novo PNE, há uma resolução do Conselho Nacional de Educação com diretrizes genéricas para a criação e adaptação dos planos.
Se por um lado é necessário que os planos de carreira sejam adequados às realidades locais, por outro um delineamento mínimo pode ser um importante indutor para a construção de planos mais modernos e adequados. "A Sase tem trabalhado com a Undime, o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) e a CNTE para que cheguemos a um pacto nacional das diretrizes e também parâmetros um pouco mais objetivos para orientar estados e municípios a realizarem seus planos", diz o diretor.

Atração e retenção
Um dos resultados esperados a partir da organização da carreira do magistério em nível nacional é aumentar a atratividade da profissão como um todo, isto é, fazer com que novos profissionais busquem a atividade docente. O desinteresse dos jovens pelo magistério fica evidente já nos vestibulares. De acordo com a Sinopse da Educação Superior do Ministério da Educação (MEC), em 2012, menos da metade das vagas oferecidas pelas instituições de ensino superior para os cursos de pedagogia e licenciaturas em diversas áreas foram ocupadas. No mesmo ano, para cada vaga aberta para os cursos da área da educação, havia dois candidatos. Nos cursos de medicina, a relação candidato-vaga é mais de vinte vezes superior.
Outro resultado mais objetivo é renovar os quadros das redes de ensino. Hoje, a média de idade dos trabalhadores da educação é de 41 anos. Ou seja: muitos já estão próximos da aposentadoria. "No cenário educacional brasileiro, a situação é complicada. Nós temos baixos salários quando comparados a profissionais com a mesma escolarização", diz Araújo. "No Brasil, os professores ganham entre 50% e 60% da média dos demais trabalhadores. Enquanto, em outros países, em geral, os professores ganham entre 90%, 85% do que ganham os demais trabalhadores", afirma Rubens Barbosa de Camargo.
Considerando que ainda há um número razoável de profissionais, especialmente no segmento da educação infantil, com formação em nível médio ou pós-médio, a CNTE defende o estabelecimento de um piso para essa parcela da categoria e um acréscimo de 50% para quem tem formação superior. A partir daí, outras porcentagens seriam definidas para aumentar o vencimento básico daqueles que forem avançando em seu nível de escolarização com especializações lato e stricto sensu.
Embora a formação seja um critério para progressão na carreira defendido por unanimidade, ele não deve ser o único. Isso porque a dedicação às pós-graduações exige um tempo longo, o que pode desestimular o professor a buscar este aperfeiçoamento ou mesmo desistir da carreira. "Já vi planos em que para chegar ao topo da carreira se exigia pós-doutorado! É uma posição quase inalcançável para todo mundo", comenta Camargo. "No caso da educação, a gente precisa pensar em valorização da formação, títulos, cursos."
Se participar dessas atividades é uma exigência feita aos profissionais, torna-se também uma obrigação dos gestores oferecer essas oportunidades. Não apenas pensando na satisfação dos professores, coordenadores e orientadores com o título e o aumento recebidos, mas também porque essa formação tem de estar conectada a um planejamento mais amplo de qualificação da rede como um todo. "É preciso criar uma agenda de formação, adequada à realidade da rede, mas que também atenda às necessidades de desenvolvimento de cada profissional - ou as pessoas vão fazer cursos só para cumprir tabela", diz Sanches.
Em Rio Branco (AC), o planejamento das atividades de formação é feito em parceria entre o estado e o município. "Começamos em 2006, com o primeiro objetivo de melhorar a escolarização dos professores. Hoje, muito poucos professores não têm o ensino superior", relata Márcio Batista, secretário municipal de Educação da capital acriana. "A segunda etapa foi fazer uma avaliação do que sabiam os professores e do que sabiam os alunos para traçar um perfil da qualidade, da capacidade de intervenção do nosso professor em sala de aula. Com base nessa avaliação é que estabelecemos, junto com o estado, uma estratégia de formação conti­nuada." As universidades locais também participam das ações.

Promoção da qualidade
Como se vê, a formação continuada é um dos elementos centrais para estabelecer as regras para a progressão dentro da carreira através da chamada promoção por merecimento. O que, alertam os especialistas, não pode ser confundido com uma simples análise de desempenho. "Prova para o professor, desempenho dos alunos em testes, isso é um caminho muito ruim, que nunca avalia a educação como um processo coletivo", analisa Camargo. "O que tem de haver é primar, o tempo todo, pela construção de um bom projeto nas escolas."
"Esse mecanismo não pode computar apenas algumas questões relacionadas ao desempenho: temos de trazer questões inerentes a frequência, assiduidade, compromisso, comprometimento dele, participação no projeto da escola e também toda essa discussão sobre a formação continuada", afirma Sanches. Dessa forma, reconhecendo boas condutas individuais e incentivando os momentos de formação e criação coletiva, o plano de carreira pode se tornar um vetor do processo de qualificação da rede, trazendo impacto direto nos processos de ensino-aprendizagem.
O plano de carreira do município de Canoas (RS), criado em 2011 e revisado no ano passado, é um exemplo de como tentar equilibrar tantos elementos de avaliação. Foi criado um sistema de pontuação para a progressão de classe. Para que o profissional ascenda dentro da carreira, elevando o seu salário-base, ele precisa acumular mil pontos a cada intervalo de três anos.
São considerados três critérios: regência, qualidade e conhecimento. Neste último, há uma pontuação específica para atividades como participação em seminários, publicação de artigos, engajamento em projetos de pesquisa ou ações especiais da secretaria. "Outra questão é a valorização da formação do professor. A prefeitura financia dezenas de bolsas de especialização, dez bolsas anuais de mestrado e teremos cinco de doutorado este ano", diz Eliezer Pacheco, secretário municipal de Educação.
No critério qualidade, boa parte da pontuação está atrelada ao desenvolvimento dos planos institucionais de cada escola, além da progressão da escola nas avaliações locais, estaduais e nacionais. E no critério regência, aplicado essencialmente aos profissionais em sala de aula, a pontuação funciona em sentido reverso: no lugar de somar pontos, o professor tem a sua pontuação descontada se, por exemplo, tem algum registro negativo relacionado à cortesia no trato com alunos ou pais ou se falta ou chega atrasado às atividades.


 Material de apoio
A Secretaria de Articulação com os Sistemas de Ensino (Sase) está finalizando a construção de um sistema informatizado para o desenvolvimento dos planos de carreira. O software será oferecido de maneira gratuita, na web, de modo que cada gestor possa desenvolver o plano de carreira em diálogo com a categoria e simular o impacto financeiro nas contas do estado ou da prefeitura.
Outra ferramenta que estará em breve à disposição dos gestores é um livro, também em fase final de elaboração, que reúne os principais pontos sobre os quais o gestor deve refletir para fazer um plano que equilibre a valorização do professor e a disponibilidade orçamentária. Por fim, a Sase também tem planos de criar uma rede de técnicos capacitados para atuar no Brasil inteiro ainda este ano.


http://revistaescolapublica.uol.com.br/textos/43/uma-carreira-para-a-educacao-338984-1.asp

sexta-feira, 6 de março de 2015

“Professores precisam ser seus próprios gurus”

Ewan McIntosh, da startup NoTosh, fala ao Porvir como a inovação pode chegar à escola para incentivar alunos a mudarem o mundo


Uma escola com menos paredes, que facilite a circulação de pessoas e ideias é o modelo dos sonhos de Ewan McIntosh, presidente e fundador da Notosh Limited, startup que busca redesenhar escolas e torná-las um terreno fértil para a inovação.
A empresa com sedes em Edimburgo, na Escócia, e em Melbourne, na Austrália, busca levar para a educação estratégias que fazem sucesso em grandes empresas (como coaching e design thinking) para tornar aulas mais divertidas, professores mais eficientes e alunos capazes tomar decisões de impacto no mundo.
Fotolia_77985824_Subscription_Monthly_MCrédito: Sergey Peterman/Fotolia.com

Na entrevista concedida ao Porvir durante o evento Innovate 2015, promovido pela Graded School de São Paulo, McIntosh analisa as barreiras físicas e metodológicas para mudanças na sala de aula, que geralmente resultam em desculpas como “não tenho tempo, não tenho dinheiro e minhas ideias nunca serão aceitas” por parte dos professores. Para combater tais problemas, dentre outras sugestões, McIntosh sugere que o ego seja deixado de lado, e propõe maior colaboração dentro da escola para que professores, curiosamente, deixem de dar ouvidos a “gurus” da educação e consigam ser autossuficientes.
Porvir: Quais são as barreiras para a inovação chegar à escola?Ewan McIntosh: Os problemas são os mesmos em qualquer país do mundo, até nos mais ricos: falta de tempo, falta dinheiro e currículo sobrecarregado. As palestras que tenho feito aqui tratam de como sair do conflito criativo, em que todos alegam que as coisas são impossíveis de serem feitas. Essa suposição se deve ao fato que ainda hoje as pessoas acreditam que a maneira mais rápida de aprender é por meio da aula em que o professor transmite todo o conteúdo. E todo mundo sabe que isso não é verdade.
Porvir: Existe uma solução para isso?McIntosh: Se você disser que essas pessoas estão erradas, elas vão responder: “Deixe-me sozinho. Eu não ganho dinheiro suficiente para fazer isso”. Para elas, o que você precisa fazer é proporcionar motivação, entender seus maiores desafios e ajudá-las a planejar o currículo. Muitas vezes, os professores não sabem nem fazer isso. Apesar de não ser um jeito muitosexy, esse é o primeiro passo para inovar no aprendizado e permitir que estudantes direcionem seus estudos e colaborem no planejamento das aulas.
Porvir: E como a inovação entra na sala de aula?McIntosh: A inovação pode acontecer de diversas maneiras, como analisando coisas que estão quebradas. Ideia banais, quando analisadas com profundidade, possuem valor real. Ter boas ideias é fácil e você não precisa fazer um monte de pesquisas para descobrir, por exemplo, que o trânsito de São Paulo tem problemas. A parte mais difícil é dizer “eu posso tomar a iniciativa, eu posso fazer isso”. Temos que ter a certeza que os estudantes saiam com a certeza de que podem mudar o mundo, mas o maior desafio é que nossos professores não acham que podem fazer isso.
ECrédito: Divulgação

Porvir: Qual o papel de professores e líderes educacionais nesse processo?McIntosh: Minha frase preferida de Steve Jobs [presidente da Apple morto em 2011] dizia que “existe um momento na vida em que se descobre que tudo ao seu redor foi feito por pessoas que não são mais inteligentes que você”. Quando percebe isso, sua vida muda para sempre e você não consegue olhar para as coisas do mesmo jeito. Não importa se você é professor de uma escola com recursos ou de uma em comunidade pobre, a questão é sempre a mesma: fazer pequenas mudanças na aula que terão grande impacto ou dizer que apenas segue ordens? A pessoa que decidiu não quer que você obedeça, ela quer saber se o trabalho é bom.
Porvir: Poderia ser mais específico?McIntosh: Professores não precisam acreditar só em gurus de conferências como essa [risos], mas se comprometer com ações que mostrem como fazer a diferença para seus alunos. Quando isso acontece, o professor se torna o guru que chega para todos os outros colegas na escola e diz: “Precisamos parar de fazer desse jeito. Eu fiz assim e olha o que aconteceu”. Nada fala mais alto do que o resultado do trabalho e da mudança de postura dos alunos.
Porvir: Como estabelecer a cultura de feedback?McIntosh: A cultura de prototipagem permite acesso a uma a avaliação de um terceiro com menos tempo, investimento e esforço. Como diz Ron Berger [educador americano diretor da Expeditionary Schools], o feedback deve ser gentil, direto e útil [veja o vídeo abaixo, em inglês, sobre uma atividade com alunos da 1a série]. Prototipar não é pedir um rascunho final de um trabalho, mas fazer seus alunos começarem a trabalhar desde o primeiro dia em alguma coisa, mesmo que seja fraca. Mais tarde, você deve fazer com que eles peçam feedback de outras pessoas. 
Porvir: Como é a escola ideal para você?McIntosh: Acho que deve dar aos jovens um sentimento de que eles podem mudar o mundo ao seu redor. Acabar com o “ego” é importante tanto para professores quanto para alunos, que precisam entender que, para produzir algo significativo, você nunca pode trabalhar sozinho e deve contar com a colaboração de outras pessoas. Todas as escolas precisam realizar conferências comandadas por seus próprios professores − e não com palestrantes escoceses [risos] −, para que eles comecem a se ver como alguém que está aprendendo tanto quanto os estudantes. Mas a prioridade número 1 é dar um cartão de biblioteca para um professor e fazê-lo estudar, porque muitas das respostas para a educação já estão dadas, em inglês ou português bem claro.

quarta-feira, 4 de março de 2015

Alfabetização: qual o melhor método?


Escrito por Ilona Becskeházy
Para o neurocientista português José Morais, professor da Universidade Livre de Bruxelas e doutor em Desenvolvimento da Cognição e Psicolinguística, não é possível afirmar qual é a melhor forma de se aprender a ler e a escrever. Nesta entrevista concedida à Ilona Becskeházy, consultora da área de educação, colunista da Gestão Educacional e comentarista do boletim Missão Aluno, da rádio CBN, Morais aborda as linhas gerais do processo de aprendizagem que decorrem dos atuais conhecimentos científicos e avalia questões práticas de alfabetização, como a importância de se ler para crianças pequenas e as características que diferenciam os métodos fônico e construtivista de alfabetização. Para o especialista português, não há idade certa, do ponto de vista cognitivo, para se alfabetizar uma criança. Porém, ele critica a definição, por parte do governo brasileiro, de alfabetização aos 8 anos: “para a maioria das crianças, pôr a meta da alfabetização aos 8 anos é ou um grande erro ou um grande crime e, de qualquer modo, nega [à criança] um de seus direitos fundamentais”. Morais esteve no Brasil em agosto de 2014 para participar do VII Seminário Internacional, promovido pelo Instituto Alfa e Beto (IAB), em Belo Horizonte (MG). Confira a seguir a entrevista com o educador.
Profissão Mestre: Qual a melhor forma de se aprender a ler e a escrever?
José Morais: Não é possível responder a essa pergunta de maneira detalhada. O que posso enunciar são as linhas gerais do processo de aprendizagem que decorrem dos atuais conhecimentos científicos. Nossos alunos aprendem a ler e a escrever no sistema alfabético de escrita. Ora, os caracteres do alfabeto, separadamente ou em pequenas combinações, representam os fonemas da língua. Os fonemas não são sons – ao contrário do que muitas pessoas pensam –, mas sim unidades fonológicas abstratas. Por exemplo, as sílabas “bi” e “bu” são sons e cada um deles resulta da coarticulação de dois fonemas, de tal modo que o começo do som, influenciado tanto pela consoante quanto pela vogal, é diferente nas duas sílabas. Dito de outro modo, não há segmento acústico que corresponda à consoante “b”. A criança tem de abstrair o fonema por meio de sua correspondência com o grafema (geralmente começa-se por grafemas simples, isto é, constituídos por uma só letra). A tomada de consciência da fala como uma sequência de fonemas faz-se por meio do confronto com a escrita alfabética em atividades apropriadas, propostas pelo professor ao aluno. Depois disso, há uma longa fase – cerca de um ano – de aprendizagem da decodificação (na leitura) e de codificação (na escrita), em que é necessário levar em consideração as regras do código ortográfico da língua, em nosso caso, do português. A prática da leitura e da escrita, acompanhada pelo professor, é necessária para tornar esses processos, que já permitem uma leitura e uma escrita autônomas, cada vez mais eficientes em precisão e rapidez. O sucesso encontrado na aplicação desses processos conduz, pouco a pouco, à constituição de um léxico mental ortográfico, isto é, a um conjunto de representações memorizadas das palavras conhecidas. São essas representações que serão utilizadas de maneira automática na leitura e na escrita. Enquanto, por exemplo, na leitura, a decodificação se faz de maneira intencional e sequencial da esquerda para a direita, na leitura automática a representação das letras da palavra é acessada em paralelo.
Profissão Mestre: Por que ler em voz alta para bebês e crianças pequenas ajuda no processo de alfabetização antes mesmo deste ser iniciado formalmente?
Morais: Por várias razões. Se interagirmos de maneira apropriada com a criança, mostrarmos o que se está lendo, interrogá-la e solicitarmos suas reações, a criança vai compreender que a escrita representa a língua oral, vai tomar conhecimento de características importantes das palavras escritas e dos textos, vai adquirir novas palavras, e vai enfim, assimilar formas gramaticais que não são correntes durante a comunicação oral e aprender a extrair sentido desses enunciados. Além desses aspectos essencialmente cognitivos, há aspectos afetivos, motivacionais e de interação social (na “leitura partilhada” feita e dirigida pelos pais, essa interação envolve seus seres mais queridos) que também são muito importantes para que a criança valorize a leitura e os livros.
Profissão Mestre: Qual a importância do vocabulário no processo de alfabetização? O conhecimento prévio (oral) de palavras, mesmo que erradas, ajuda ou atrapalha na hora de alfabetizar?
Morais: Ajuda, com certeza. Mas convém que o conhecimento das palavras não seja errado. Dou-lhe um exemplo de tentativa de leitura (por decodificação) de uma criança francesa. Em um texto de receita de cozinha proposto em aula, havia a palavra lard, que corresponde a presunto. Ela a decodificou lentamente, mas seguramente até o “d”, que pronunciou. Só que, em francês, o “d” final, em geral, não se pronuncia. Ela deu-se conta de que sua leitura estava errada porque conhecia essa palavra e corrigiu sua própria leitura e disse lar. Seu conhecimento do vocabulário serviu-lhe, portanto, para aprender a ler corretamente essa palavra, e é provável que, com mais experiências, isso tenha contribuído para ela adquirir a regra geral de não ler o d final. Posso acrescentar que a fluência é melhor em leitura oral de listas aleatórias de palavras do que em leitura oral de pseudopalavras (isto é, formadas segundo as regras de constituição das palavras, mas que não existem em nosso léxico porque este não esgota todas as combinações legais). Isso é verdade tanto para a criança que aprende a ler como para o adulto leitor hábil.
Profissão Mestre: Qual sua opinião sobre a escolha do governo brasileiro em estabelecer 8 anos de idade como “idade certa” para alfabetizar?
Morais: Não há idade certa do ponto de vista cognitivo. A “idade certa” de 8 anos como meta da alfabetização elementar nas escolas públicas é a idade certa para reproduzir as diferenças sociais, porque filho de pobre ou remediado que vai para a escola pública vai ter (pelo menos) dois anos de atraso em relação ao filho de rico ou de intelectual que vai para colégio particular e estará alfabetizado aos 6 anos. “Idade certa” é uma expressão que só tem sentido ao se precisar para quê e para quem, sendo, no entanto, certo que, para a maioria das crianças, pôr a meta da alfabetização aos 8 anos é ou um grande erro ou um grande crime e, de qualquer modo, nega [à criança] um dos seus direitos fundamentais.   
Profissão Mestre: Qual a diferença entre alfabetização e literacia?
Morais: Como literacia é uma qualidade e alfabetização um processo, deixe-me distinguir entre alfabetismo e literacia. Em primeiro lugar, literacia é mais vasto que alfabetismo, porque se pode ser letrado sem ser alfabetizado. Isso acontece em muitos países do mundo em que só se aprendeu a ler em um sistema de escrita que não é o alfabeto. Em segundo lugar, literacia refere-se em geral a um nível mais aprofundado da habilidade de ler e escrever em um sistema alfabético e de uso produtivo dessa habilidade.
Profissão Mestre: Resumidamente, quais as características que diferenciam os métodos fônico e construtivista de alfabetização?
Morais: O método construtivista (seus defensores falam de uma filosofia) parte do postulado de que se pode aprender a ler naturalmente, como se a escrita fosse uma língua. Já o método fônico reconhece a escrita como uma representação da linguagem oral e, por isso, propõe um ensino sistematizado. O método construtivista pretende partir do sentido das palavras escritas, enquanto o método fônico parte da constatação de que, se não se dispõe de um mecanismo que permita identificar todas as palavras escritas e não só algumas dezenas ou mesmo centenas, não é possível atingir o sentido delas nem ler palavras que se encontrem pela primeira vez. Contrariamente ao método fônico, o método construtivista não reconhece o fato de o alfabeto ser um código, de ele permitir a codificação (na escrita) dos fonemas, unidades abstratas constituintes da fala, e, por conseguinte, também sua decodificação (na leitura), assim como não reconhece a necessidade de ensinar e de insistir na prática intensa desses mecanismos pelo aluno. O problema principal está no fato de que o construtivismo, tal como é aplicado às questões da leitura e da escrita, resulta de uma crença e ignora totalmente os avanços da ciência; quando se lê os textos construtivistas, tem-se a impressão de que a ciência da leitura não existe.
Profissão Mestre: Por que os construtivistas “acusam” os adeptos do método fônico de não permitirem que os alunos deem sentido às palavras que aprendem?
Morais: É uma estranha acusação, porque os adeptos do método fônico nunca defenderam isso. É importante os alunos entenderem o sentido das palavras que aprendem. Não de lhes “dar” sentido, claro, visto que as palavras têm o sentido que resulta da história e do uso da língua, mas de entender corretamente o sentido delas e de aprender a utilizá-las com o sentido que têm. Obviamente, isso não impede a extensão criadora de sentido, desde que se tenha consciência de que se vai além do sentido usual.
Profissão Mestre: Há diferença no processo cognitivo mobilizado na alfabetização de crianças e na de adultos?
Morais: Não sabemos ainda com exatidão. A diferença não deve ser grande, porque é possível alfabetizar adultos até de idade já avançada. É difícil comparar porque as relações sociais, as motivações e o padrão de aquisições cognitivas de cada indivíduo são muito diferentes. Também o processo de alfabetização se faz em condições muito diferentes nos dois casos. Pode acontecer que o adulto recorra mais, ou durante mais tempo que a criança, a processos de atenção sequencial na leitura das palavras, mas é  muito difícil verificar isso sem um estudo experimental que seria exageradamente longo e oneroso e que se justificaria mais por razões teóricas que práticas.  
Profissão Mestre: É possível (e recomendável) aprender a ler e a escrever em mais de um idioma ao mesmo tempo?
Morais: Não diria exatamente ao mesmo tempo, mas não vejo problema que isso aconteça quase simultaneamente, desde que seja em momentos separados, visto que os códigos ortográficos nunca são completamente os mesmos. Isso acontece em países bilíngues e não tem suscitado problemas.

Entrevista publicada na edição de março de 2015.

http://www.profissaomestre.com.br/index.php/reportagens/entrevistas/1186-alfabetizacao-qual-o-melhor-metodo

terça-feira, 3 de março de 2015

Curso online ensina a planejar aulas para adultos



A partir do dia 12 de março, educadores terão a oportunidade de repensar seus formatos de ensino no curso online Design de Aulas. A formação para quem ministra aulas para adultos é promovida pelo Clinton Center For Teaching and Learning, e ocorrerá durante dois meses e meio, todas as quintas-feiras, das 19h às 22h.
Criado por Thiago de Carvalho, gerente no Brasil da Clinton Education e diretor do centro que leva o mesmo nome, o curso atende a uma demanda que ele mesmo sentiu: a dificuldade de se profissionalizar como professor de adultos. “Percebi que a oferta é restrita, rara. Para quem está fora do ensino superior, é mais difícil ainda encontrar programas de capacitação de professores, já que a maioria das escolas só fala em pesquisa”, afirmou. Por isso, decidiu buscar essa capacitação no exterior e realizou, nos últimos dois anos, o mestrado em educação e ensino de negócios na New York University, período em que passou a desenhar programas de formação que não existiam no mercado brasileiro.
Formação Design de AulasCrédito: Sergey Nivens/fotolia.com

No programa Design de Aulas, os professores refletirão sobre uma gama variada de conceitos, como aprender a olhar para cada aluno individualmente. “O contexto de uma aluna solteira de 22 anos é diferente de um aluno de 36 que acabou de ser pai de gêmeos. A sutileza de entender que mesmo alunos parecidos na verdade são diferentes é algo que leva tempo, mas com o curso esperamos apoiar educadores nesse processo”, explica Carvalho. Para isso, além dele, foram convidados Liao Yu Chieh, professor do Insper, e Diogo Casanova, especialista português em transição de cursos offline para online que leciona em Kingston, Reino Unido.
Sobre a dinâmica, o criador do curso explica que aulas teóricas e práticas serão intercaladas, sempre inserindo cada aluno no contexto. “Enquanto em uma aula eu apresento questões, na seguinte um professor apresenta como ele faz na prática. Do lado dos participantes, eles irão trabalhar considerando suas instituições de ensino ou locais onde gostariam de ministrar cursos”. Além disso, sair do papel de professor e voltar ao outro lado do processo também fará diferença, na opinião de Carvalho.
Para participar do curso, os interessados deverão passar por um processo seletivo que analisará o currículo dos candidatos. Se for necessário, também haverá uma entrevista online ou presencial. A seleção acontece pois existe um número médio de participantes por turma – 18 a 20 -, e porque educadores interessados em educação superior ou continuada têm preferência. Grupos de professores de uma mesma instituição terão desconto.
Maiores informações e orientações para se inscrever estão no site do curso

segunda-feira, 2 de março de 2015

Como iniciar práticas educomunicadoras na escola?

Professor da USP elucida possíveis caminhos para implementar práticas que unem educação e comunicação
Do Centro de Referências em Educação Integral
Uma educação comprometida com a formação integral do indivíduo deve dar conta de todas as dimensões do desenvolvimento humano e estabelecer-se como processo ao longo da vida. Nesse sentido, o repensar das práticas de ensino e aprendizagem e o reconhecimento de seus potenciais agentes, tempos e espaços torna-se fundamental para oportunizar outras possibilidades educativas, para além daquelas compartimentadas pelos tradicionais currículos escolares.
Nesse contexto, a educação é cada vez mais tensionada a estabelecer diálogo com outras áreas do conhecimento, em arranjos mais abertos, criativos, participativos e que buscam, sobretudo, não hierarquizar a distribuição do saber, possível a qualquer pessoa dado o seu reconhecimento enquanto produtor de cultura. Essa é a defesa da educomunicação, conceito que vem dando pistas de como o uso dos meios, linguagens e instrumentos de comunicação podem estar presentes no espaço escolar, garantindo não só o direito universal à comunicação, mas também outras possibilidades de aprendizagem.
Educomunicação na Escola_internaCrédito Sunny Studio / Fotolia.com

Unindo fontes acadêmicas e práticas de diferentes experiências, o Centro de Referências em Educação Integral procurou elucidar possíveis caminhos para o início das práticas educomunicadoras em instituições de ensino. A trilha foi construída com o apoio do professor do curso de licenciatura em Educomunicação da Escola de Comunicação e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP), Marciel Consani.
O que é uma prática educomunicadora?Para o pesquisador, é fundamental que haja, de início, um esclarecimento sobre o que diferencia a educomunicação de outras linhas de abordagem semelhantes. A explicação parte do século 20, especialmente da década de 80 em diante, quando se iniciou a preocupação de colocar as tecnologias, e depois as mídias, dentro da escola como suporte a projetos pedagógicos existentes. O chamado uso instrumentalizador da tecnologia e das mídias era utilizado no seguinte contexto: partia-se de um projeto educacional, aparentemente perfeito em suas metas e pressupostos, mas repleto de dificuldades de aceitação por parte dos alunos, ou distante de refletir o que a sociedade representava, configurando a escola como uma ilha isolada dos fenômenos da modernidade, especialmente da mídia. “A ideia era a de integrar as tecnologias a um projeto pedagógico predefinido”, atesta Consani.
A educomunicação, por sua vez, se apresenta como solução para os problemas de ordem comunicativa, pelos seus pressupostos considerarem que são estes os nutridores dos impasses de ordem pedagógica ou mesmo políticos. Os problemas de comunicação permeiam as relações entre os alunos, dos alunos com os professores e demais instâncias da escola, e dela mesma com seu entorno, com a sociedade, comunidade e famílias. Esse entendimento parte das teorias de comunicação pós-modernas, pós-estruturalistas, que vão além das teorias das recepções dos meios de comunicação, e sugerem a mediação. A ideia é que a comunicação independe dos meios uma vez que, o que está em jogo, são as mediações que ali atuam. Partindo disso, a educomunicação coloca dois questionamentos fundamentais: onde a comunicação pode ser melhorada na escola? E de que forma?
O papel dos gestoresPara a gestão, é essencial partir de um diagnóstico preliminar que indique problemas de natureza comunicativa. E não se trata de estabelecer fluxos informativos, mas de estabelecer diálogo, prerrogativa básica para o método que tem no seu corpus doutrinário a obra de Paulo Freire. “A nosso ver, não existe comunicação sem diálogo”, afirma o pesquisador.
Todo projeto educomunicativo, em essência, visa ampliar o diálogo na escola. Na prática isso significa possibilitar participação de pessoas anteriormente excluídas, transformar diálogos unilaterais em bilaterais, estabelecer canais de comunicação para que as pessoas consigam se manifestar, expressar sua voz, “e edificar o que chamamos de ecossistema comunicativo“, coloca.
Em primeira instância é preciso definir a natureza e a prioridade dos problemas de comunicação que têm que ser resolvidos. Em um segundo momento, é a hora de descobrir suas vocações, ou seja, estabelecer os canais de comunicação com os quais irá trabalhar. O educador exemplifica: “há escolas de educação infantil que não conseguem trabalhar com texto escrito ou uma tecnologia sofisticada como câmeras e editores de vídeo devido a fase de desenvolvimento das crianças. Veja que, nesse caso, a oralidade tem mais peso do que a comunicação verbal. E, assim, esses cenários precisam ser considerados”.
“O professor mediador tem que ensinar e aprender a se comunicar, se comunicando”
Entra em cena o professor mediadorNesse momento é que deve figurar o professor mediador (educomunicador), responsável por estabelecer relações entre a criança/estudante e o currículo, e também entre a gestão, as diretrizes curriculares e o plano de aula a ser executado. Isso não significa apenas fazer o meio de campo entre o repertório cultural, o conhecimento institucionalizado e a criança. “Ele tem que ensinar e aprender a se comunicar, se comunicando”, garante Consani.
Para tanto, como primeira atitude, espera-se que o professor considere o conhecimento prévio da criança, o universo cultural que está nela, em seu entorno, na comunidade que ela vive para que haja uma abertura para a negociação desse contexto com seu próprio repertório individual e, depois, com aquilo que representa, no caso, a escola, por meio de seu currículo. “Em outras palavras, não adianta nada despejar um monte de conceitos prontos que não fazem sentido, que não estejam contextualizados ou não dialoguem com o universo daquele aluno, e classificar isso como educativo. A educação se faz por uma espécie de reconhecimento dentro de um repertório cultural”, explicita o pesquisador.
Ao que complementa: “então, mesmo quem não assiste a novela na Globo, sabe o que acontece. É preciso criar essa referência cultural compartilhada. A questão não está em tentar purificar essa influência cultural externa, mas em utilizar esses formatos comerciais veiculados pela mídia e promover uma crítica, não a partir de uma visão moralista, mas de uma problematização em que o aluno seja o protagonista. A leitura crítica tem que ser desenvolvida como uma habilidade, uma competência, e não vir pronta.”
Alunos participativosSegundo o pesquisador, essa demanda é direcionada pelo perfil dos alunos. Ele alega que, ao longo dos estudos realizados pelo Núcleo de Comunicação e Educação da Universidade de São Paulo (NCE) características próprias desse grupo e duas necessidades essenciais ficaram evidentes. Uma delas diz respeito à expressão, à vontade de ter voz, de dizer o que pensa e sente, o que não implica necessariamente em um canal de comunicação mas, sobretudo, no estímulo. Outra é estabelecer uma condição de pertencimento, de encontrar um espaço onde possa ouvir sua música, de produzir e mostrar suas produções.
Em sua análise, o estudante tem como modelo a terceira instância educadora. “A gente fala que a primeira é a escola, a segunda a família e a terceira é a mídia. E a mídia nunca vai ser controlada pela escola. Então, tem que haver essa negociação”, reforça. O modelo de comunicação primário do aluno é o da televisão, do rádio, das emissoras de sinal aberto. Por isso a necessidade de lê-los criticamente, processo que o aluno não inicia sozinho, em sua individualidade. “Isso tem que acontecer dentro da escola, a partir de um trabalho de mediação dos professores”.
Para Consani, quando o professor investe nesse papel de mediador entre a cultura institucionalizada, a mídia, e mostra as conexões existentes, o aluno descobre duas coisas fundamentais: que ele não vive em um mundo à parte e que pertence a uma comunidade e se depara com a questão da expressão, de querer colocar suas dúvidas, sentimentos e opiniões.
“O principal é a criança saber reconhecer os possíveis desdobramentos de pesquisa no entorno que ela transita, e a família pode e deve participar disso para se construir uma educação significativa, com interação na vida concreta”
O espaço da família/comunidade
Na educomunicação, o conceito de comunidade escolar é entendido como não excludente, o que significa que o entorno do contexto escolar, ou seja, a comunidade e os familiares são considerados no processo de ensino aprendizagem. O pesquisador explica que a prática teve uma mudança de viés ao longo dos anos. No final da década de 90, eram bastante comuns as práticas educomunicadoras em contextos de organizações não governamentais e informais; a mudança, como explica, veio com a entrada do processo no âmbito do poder público, em parceria entre centros de estudo e redes de ensino, em contextos formais.
Nessa mudança histórica houve a necessidade de se reconhecer alguns conceitos, já presentes no repertório de escolas de educação mais avançada, libertária, como o da comunidade escolar. Não há comunidade escolar sem o envolvimento da família. “Ela permite que a produção do aluno seja compartilhada para fora do espaço escolar, e isso é mais uma estratégia de mostrar para a família o que ele faz e despertar o interesse para as ações educativas”.
Além disso, espera-se que a família possa se envolver ativamente nos processos de pesquisa sobre os quais os temas trabalhados demandam. Toda temática deve ser investigada e problematizada. E, embora a internet, seja um meio facilitador, não é o fim do trabalho pedagógico, e sim o começo. “O principal é a criança saber reconhecer os possíveis desdobramentos de pesquisa no entorno que ela transita, e a família pode e deve participar disso para se construir uma educação significativa, com interação na vida concreta”, afirma Consani.
A educomunicação a favor da educação integralA meta de construir a cidadania, a partir do pressuposto básico do exercício do direito de todos à expressão e à comunicação, foi entendida como política pública nacional, além de nortear diversas práticas educativas pelo país.
No que tange a agenda pública, a educomunicação conseguiu figurar entre os macrocampos do programa Mais Educação, iniciativa do governo federal para diversificar e qualificar as oportunidades de aprendizagem nos ambientes escolares. A proposta é que as escolas possam fazer uso dos recursos midiáticos – rádio, jornal, fotografia, vídeo, histórias em quadrinhos – para promover o desenvolvimento de projetos educativos dentro dos espaços escolares, com a construção de propostas engajando os alunos em ações de colaboração para a melhoria das relações entre as pessoas, além de projetos de aprendizagem por meio da reflexão crítica e da possibilidade de intervenção na própria escola e na comunidade.
O cenário abre bons precedentes para a educação integral, a começar pelos próprios ambientes de aprendizagem. Deslocado para o papel de mediador de conhecimento, e não detentor, o professor pode se aproximar de seus alunos e, juntos, construírem percursos educativos mais colaborativos e significativos. Essa configuração que se dá com base em trabalho em equipe, debates e pesquisa possibilita situações mais democráticas e participativas.
O acesso a outras linguagens também é visto numa perspectiva integradora, como parte estrutural de um processo que promove a formação de cidadãos participativos política e socialmente, capazes de interagir na sociedade da informação na condição de emissores e não apenas consumidores de mensagens, o que garante o direito à comunicação.
Ainda assim, há considerações a serem colocadas, como elenca Marciel Consani. “A ideia do Mais Educação de aproveitar ao máximo o tempo escolar como um tempo educativo e não ficar preso a uma aula magna, expositiva, dá abertura para que se trabalhe com estratégias de diálogo com a mídia, com a cultura popular e outros campos como as artes”.
Por outro lado, a educomunicação se faz como um elemento que promove a transdisciplinaridade e a transversalidade dentro das áreas de conhecimento. E, portanto, os temas dentro dos macrocampos estão estruturados a partir de estratégias de “fazeres”, como fazer um vídeo, uma fotografia, uma história em quadrinhos. “Cada um deles traz uma linguagem, um repertório específico que precisa ser contextualizado, por não ser inerente à linguagem”, observa Consani.
A partir disso, o educador questiona as formas de se trabalhar prevendo o estabelecimento de significado na aprendizagem. “Como se trabalha com isso? Você vai apenas decupar as histórias, ou tentar entender o que as narrativas querem transmitir? Isso é pouco do ponto de vista educomunicativo?”. Consani reitera que, na parte prática, o que se espera é que a criança crie suas próprias narrativas, que até podem partir de um modelo, mas que tenha autonomia para romper tais amarras e se arriscar em criações livres.
“Veja que, em um determinado momento, essa história pode ser dramatizada, virar um vídeo, um tema pra redação com variações do enredo. É possível transportar a ideia e praticar o esforço de dialogar com a cultura em uma espécie de ciranda das mídias”, afirma. A seu ver, a educomunicação não se atém a uma ou outra mídia específica, pelo contrário. É uma abordagem que funciona em qualquer mídia e na interface entre várias delas. Então, o foco não está no fazer em si. Em suma, na educomunicação, a chave é entender que o fazer é um pretexto para a autorreflexão da criança frente ao seu repertório cultural.

http://porvir.org/porfazer/como-iniciar-praticas-educomunicadoras-na-escola/20150227

Declaração para um novo ano

20 para 21  Certamente tivemos que fazer muitas mudanças naquilo que planejamos em 2019. Iniciamos 2020 e uma pandemia nos assolou, fazendo-...