quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Escola + família = aluno nota 10

Escrito por Fábio Torres

Segundo o filósofo e escritor suíço Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), “a educação do homem começa no momento do seu nascimento; antes de falar, antes de entender, já se instrui”. Logo, há muito tempo já se entendia o papel importante que a família desempenha no desenvolvimento da criança. Os pais e familiares, bem como a escola, espaço em que as crianças passam os primeiros 15 ou 20 anos de sua vida, são figuras centrais no processo de crescimento do ser humano. Portanto, é preciso que tanto a família como a instituição escolar trabalhem com coerência e foco no desenvolvimento dos educandos.
Para Thelma Polon, doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e professora colaboradora da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), a escola precisa ir além das tradicionais reuniões de pais e mestres. Ela credita que eventuais dúvidas sobre como deve ser o relacionamento entre as famílias e a escola podem ser solucionadas com base na legislação brasileira. A educadora palestrou sobre o tema no evento Conexão @ouropreto: III Feira Cultural do Livro de Ouro Preto, em novembro de 2013, e, na oportunidade, conversou com a revista Profissão Mestre. Na entrevista a seguir, Thelma fornece orientações sobre como gestores e professores podem conduzir e, principalmente, melhorar os canais de comunicação e relacionamento entre a instituição educacional, os pais, os familiares e os responsáveis pelos alunos.
Profissão Mestre: A responsabilidade pela educação da criança deve ser compartilhada entre família e escola?
Thelma Polon: Sem dúvida alguma. Eu não vejo de outra forma. O fenômeno da educação é bastante complexo. Nem uma instituição, nem outra isoladamente dão conta disso. O desafio é como você deve estabelecer essa parceria. O tema da minha palestra [no evento Conexão @ouropreto] fala de territórios da educação. Territórios, por definição, são espaços de poder, então a questão é como democratizar essa relação e, assim, conseguir uma ação mais efetiva dessas duas instituições em conjunto.
Profissão Mestre: Como deve acontecer essa aproximação entre família e escola?
Thelma: A rigor, eu diria que é cumprindo a lei. Desde os anos de 1990, as reformas educativas, em especial a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), já propunham um processo de redemocratização dessa relação e a instituição de conselhos de escola. Eu acho que [essa relação] tem muito a ver com a forma como o gestor educacional lida com isso, buscando a efetividade desse processo, fazendo com que esses conselhos funcionem de fato, que temas importantes sejam tratados e soluções sejam buscadas em conjunto, que não se crie preconceito de ambas as partes: da família em relação à escola, da escola em relação à família. Eu acho que é cumprir a lei com rigor, efetividade, seriedade e consciência de que isso é um direito dos alunos. Eles irão se beneficiar desse encontro.
Profissão Mestre: Quais são os resultados obtidos quando acontece essa aproximação entre familiares e escola?
Thelma: Em educação, há uma linha de pesquisa que se dedica a estudar as escolas eficazes, as escolas que dão certo, as escolas em que os alunos conseguem bons resultados e, mais do que isso, escolas muitas vezes de camadas populares, sem muitos recursos, em que os alunos tenham resultados que vão muito além das suas expectativas em relação à sua origem social. A gente não pode afirmar uma relação de causa e efeito: “porque a escola é assim, logo o resultado é assado”. Mas a gente pode constatar que, nessas escolas em que os resultados são melhores, essa aproximação com a família é mais bem-sucedida. É um dos aspectos. Claro que, pedagogicamente falando, há vários fatores que contribuem para essas escolas darem muito certo, mas, com certeza, a proximidade e a parceria efetiva com a família são algumas das características-chave presentes nessas escolas eficazes.
Profissão Mestre: Como deve ser feito o acompanhamento da criança pela família?
Thelma: Por meio do diálogo permanente com a escola. Percebeu algo diferente em casa? Busque a escola, busque ajuda. A escola percebeu algo na criança? Chame a família para dialogar e ver o que está acontecendo. O mais importante é que haja uma convergência de intenções e práticas em relação à educação das crianças. Se você tem uma cisão entre como a escola atua e o que a família acredita, essa incoerência não contribui para a formação. É matemático: mais 1 da escola com menos 1 da família, ou o contrário, vai anular, vai dar zero. Eu acho que tem que ser de meio em meio, sempre os dois juntos.
Profissão Mestre: Quais atividades servem para aproximar família e escola? Além da tradicional reunião de pais e mestres, o que essas duas instituições podem fazer?
Thelma: A gente tem percebido que algumas escolas conseguem envolver os pais desde o processo eleitoral [da escolha do diretor], pois muitas escolas elegem sua equipe de gestão. Além disso, os conselhos de pais, não só as reuniões de pais e mestres, têm um poder muito grande hoje em dia, pois eles podem decidir sobre os investimentos da escola. Há muito tempo já se tem políticas públicas que tentam descentralizar essa questão de investimento dos recursos. Então sugiro envolver a comunidade nessa discussão sobre o que é prioridade [na escola], como investir bem esse dinheiro que está chegando direto na escola, quais são as estratégias mais recorrentes – como a escola que se abre para a família, promove eventos, faz palestras, orienta os pais, busca alternativas para lidar com as dificuldades dos filhos. Até hoje, eu não vi uma escola que não tenha interesse em ajudar uma criança ou um adolescente que tivesse mais dificuldade a qual não tivesse conseguido maior adesão das famílias. Quando a escola mostra interesse efetivo, a família também responde, porque ela quer que seu filho seja bem-sucedido, não somente na escola, como também na vida.
Profissão Mestre: Como a escola deve agir em casos de omissão da família, ou seja, quando os familiares não ajudam ou não querem ajudar a criança?
Thelma: A lei também prevê isso [ações para essa situação]. No caso, por exemplo, de uma criança que comece a faltar muito à escola e a família também não responda aos apelos da escola, precisa haver uma comunicação ao Conselho Tutelar. Casos como esse são bem objetivos, mas a gente conhece experiências no Brasil inteiro em que os diretores, os gestores e sua equipe foram dando soluções. Há caso em que vão visitar pessoalmente essa família para entender as circunstâncias, porque não é uma coisa genérica de “a família não participa”. Em que circunstâncias a família não participa? Eu conheço casos de equipes de gestão que, quando se propuseram a ir até essas famílias e esses alunos, entenderam perfeitamente as razões para esse distanciamento. Pode ser um caso de doença, de desemprego ou alguma de todas essas mazelas sociais que cercam a realidade social dessas pessoas menos favorecidas. É preciso ampliar a sensibilidade, a compreensão, a disponibilidade, o que resolve, mas eu penso que em situações no limite é preciso acionar os órgãos públicos.
Profissão Mestre: Como incentivar a família a usar as tecnologias, de modo efetivo, na educação das crianças?
Thelma: É preciso ampliar o debate sobre as novas tecnologias, assim como sobre qualquer recurso. As famílias talvez precisem ter um pouco mais de orientação. Os alunos também precisam ter mais orientação para não permitirem que as crianças se coloquem em risco nas redes sociais, exponham-se excessivamente, anulem a sua vida por causa de um computador. Eu acho que todos os benefícios da tecnologia devem ser usados a favor do processo de formação dos alunos e de seus familiares, buscando ajudar a ampliar a compreensão dos riscos e dos limites disso.

Entrevista publicada na edição de novembro de 2014. Confira a entrevista na íntegra na versão impressa.

http://www.profissaomestre.com.br/index.php/reportagens/entrevistas/1031-escola-familia-aluno-nota-10

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