sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Maria Isabel da Cunha (Unisinos): “Os estudantes merecem professores que encontram sentido no seu fazer”

Docente titular do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), em São Leopoldo (RS), Maria Isabel da Cunha é professora aposentada da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), onde foi pró-reitora de graduação e coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Educação. Autora de livros, com grande experiência na área da educação – completará 50 anos de magistério em 2015 –, Maria Isabel desenvolve pesquisa sobre prática pedagógica e formação do educador. E tem um recado aos jovens professores: “Permaneçam na profissão se encontrarem sentido na mesma. Senão, devem procurar alternativas”. Segundo ela, “os estudantes merecem professores que encontram sentido no seu fazer”.
Com graduação em ciências sociais e em pedagogia pela Universidade Católica de Pelotas, tem mestrado em educação pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio Grande do Sul e doutorado em educação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Jornal do Professor – Em sua tese de doutorado, a senhora abordou o tema A Prática Pedagógica do Bom Professor: Influências na sua Formação. O que é necessário para ser um bom professor?
Maria Isabel da Cunha – O que me estimulou a realizar o estudo foi a intenção de alterar a lógica tradicional da pesquisa e da formação, que por longo tempo definia modelos teóricos de bom professor, com a descrição de um perfil ideal e, a partir daí, procurava aproximar os sujeitos concretos a essa idealização. Esse exercício se mostrava sempre frustrante, pois não levava em conta a história de vida dos professores, nem as circunstâncias em que aninhava sua ação. Resolvi, então, inverter essa ordem. Ou seja, identificar professores que os estudantes consideravam como bons e estudar suas práticas e formas de produção de seus saberes. Esse estudo foi realizado no final dos anos 1980 e se instituiu numa das primeiras pesquisas de cunho qualitativo e etnográfico sobre o professor, no cenário nacional. A intenção não foi criar um modelo de docência, mas valorizar os saberes docentes, produzindo uma teoria a partir da prática. Atualmente, muitos dos achados que, na época, foram surpreendentes já se instituíram como referentes da pesquisa sobre a docência.
– Em relação à formação de professores, qual a situação do Brasil em comparação a outros países?
– Há diferenças importantes. Em alguns países, a formação está localizada em instituições específicas para tal, como os modelos francês, suíço e de outros países similares. Na Argentina, há os institutos de formação do professorado, que têm essa missão. A maior parte da formação docente não está na universidade. A vantagem dessa modalidade é ter a formação de professores como coração institucional, um projeto que articula todos os esforços para tal missão. Em países como o Brasil, lutou-se para que a formação dos professores fosse realizada em nível superior, sob o argumento de que a ambiência acadêmica, incluindo o valor da pesquisa, seria importante para os futuros docentes. Entretanto, mesmo que esse argumento tenha sustentação, encontramos uma realidade em que grande parte dos cursos de licenciaturas se realiza em faculdades isoladas, que por proteção legal não precisam incluir a pesquisa na sua funcionalidade. E mesmo quando esses cursos ocorrem na universidade, parece que assumem uma condição periférica na estrutura acadêmica de poder.
No bloco europeu, com o advento de Bolonha (Tratado de Bolonha, 1999), a formação assumiu dois ciclos. A profissionalização se dá no segundo, já com o título de mestrado. Se comparado esse modelo com a realidade brasileira, ele aparece em desvantagem, pois pode haver um aligeiramento no processo formativo. Aqui, o mestrado ainda representa uma etapa exigente no que se refere à pesquisa e à apropriação teórica. Mas é certo que poucos docentes da educação básica têm chances de cursá-lo e, quando o fazem, geralmente, deixam esse nível de ensino, dadas as condições salariais. Do ponto de vista teórico, creio que precisamos reforçar o conhecimento do professor, inclusive a parte técnica, ainda que se reconheça que para a docência existem outros tantos saberes importantes. Nesse sentido, o exemplo de outros países poderia ser uma inspiração.
Quando procuramos um médico ou um jardineiro, os saberes técnicos orientam nossa escolha, ainda que saibamos que sua expertise não se reduz a eles. Portanto, não há de se temer assumir que o professor, na sua profissionalização, precisa de saberes técnicos e compreendê-los num contexto ético e político.
 Como surgiu o interesse pela carreira acadêmica, tanto pelo ensino quanto pela pesquisa? Quando percebeu que tinha a vocação?
– Faço parte de uma geração em que o magistério era uma opção natural para as mulheres da classe média. Minha mãe era professora; tias e primas, também. A profissão era valorizada e havia a ideia de que se podia compatibilizá-la com as responsabilidades familiares. Portanto, não questionei muito essa escolha. Mas confesso que ela não me desagradava, pois sempre me encontrei nas ciências humanas e percebia que gostava de trabalhar com gente. Em 2015, farei 50 anos de magistério. Boa parte deles cumpri na educação superior e na educação profissional, mas comecei na escola básica e muito aprendi em cada uma dessas etapas da minha trajetória. Mesmo considerando que as oportunidades que tive não podem ser generalizadas para outras pessoas, ouso dizer que fui muito feliz na escolha e não a trocaria por outra profissão. Entre as grandes satisfações que reconheço na docência está um sentimento de crer ter sido importante para algumas pessoas, que tiveram sentido e significado muitas das ações que protagonizei ou de que participei. Ter sido útil parece dar sentido a nossa vida. E o magistério faz parte das profissões que, trabalhando com gente, encontram nas relações humanas construídas seu maior patrimônio. Entretanto, essa condição dificilmente se mede nos testes padronizados, nem pela métrica do currículo Lattes. Trata-se de um sentimento subjetivo, mais fácil de ser entendido por quem é professor.
– O que diria aos jovens professores?
– Permaneçam na profissão se encontrarem sentido na mesma. Senão, devem procurar alternativas. Os estudantes merecem professores que encontram sentido no seu fazer. Estudem muito, articulem ações coletivas, construam comunidades de aprendizagem que favoreçam o empoderamento profissional. Usem a autonomia com responsabilidade. Sintam-se parte de uma classe profissional na qual o fracasso de um atinge a todos. Portanto, é fundamental a solidariedade e o compromisso comum. A luta por melhores condições de trabalho é crucial. Mas ela será conquistada se contar com a capacidade profissional e com a autoestima dos professores.
Ainda que nem sempre apareça, há muita coisa boa feita nas escolas do Brasil. Isso não significa deixar de reconhecer os grandes problemas ainda a ser enfrentados. Mas nenhuma medida terá sucesso sem o envolvimento dos professores. Por isso, sintam orgulho da profissão. Ela é da maior importância. E deve ser da melhor qualidade.

http://portaldoprofessor.mec.gov.br/noticias.html?idEdicao=118&idCategoria=8

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