quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Alocação de recursos públicos na educação é feita de maneira ingênua

Priscilla Albuquerque Tavares

Especial para o UOL


A qualidade da educação básica brasileira é um tema discutido diariamente nos jornais do país. Quase todas as matérias apresentam um raio-X da escola pública e concluem que o quadro é grave: a infraestrutura é precária, faltam professores e recursos pedagógicos, os salários são baixos etc.
O diagnóstico da educação básica deixou há algum tempo de basear-se em evidências pontuais ou mesmo anedóticas. Com a criação do Saeb e da Prova Brasil, passamos a contar (literalmente) com exames que medem a proficiência dos estudantes brasileiros de ensino fundamental e médio, ao final de cada etapa da escolarização, em língua portuguesa e matemática. Mais recentemente, o Ideb passou a ser o principal termômetro da qualidade da educação, ao combinar dados de aprendizado e fluxo escolar.
Esses foram grandes passos da política educacional: a divulgação sistemática dos resultados das avaliações externas de aprendizagem, combinadas com informações de contexto escolar e de suporte familiar dos alunos é fundamental não só para traçar o diagnóstico da qualidade da educação, como também (e principalmente) para fornecer informações que definam o tratamento adequado para suas moléstias.
Infelizmente, este não é o uso que os formuladores de políticas educacionais nas esferas federal, estadual e municipal têm dado para as avaliações. A divulgação dos dados limita-se a uma análise de elevador enfadonha, que pouco tem a dizer sobre o sucesso das políticas implantadas nas redes municipais e estaduais de ensino.
Em tempos de eleição, diversas ideias surgem como a panaceia para a educação brasileira. No entanto, em geral, essas propostas estão baseadas em "achismos" e argumentos carregados de lógicas que o senso comum dificilmente consegue contradizer. Mas não há evidências científicas que comprovem sua eficácia e apontem seus possíveis efeitos colaterais.
Assim como um medicamento que não pode ser administrado a qualquer paciente, as ações implantadas na sala de aula não são necessariamente bem sucedidas a qualquer grupo de alunos. A literatura mostra, por exemplo, que os alunos mais pobres e com maiores deficit de aprendizado beneficiam-se de políticas de ampliação da jornada escolar. Os efeitos sobre os demais estudantes não são consensuais.
A divulgação dos dados limita-se a uma análise de elevador enfadonha, que pouco tem a dizer sobre o sucesso das políticas implantadasPriscilla Albuquerque Tavares, doutora em Economia , sobre os exames que avaliam o ensino público
Apesar de evidências como esta, nos acostumamos a ouvir as promessas de universalização das políticas e de aumento dos gastos. É verdade que no Brasil o gasto por aluno na educação básica é inferior à média observada nos países da OCDE, por exemplo. No entanto, sem medir os verdadeiros impactos das políticas educacionais não é possível conhecer seu custo-efetividade. Assim, não conseguimos estabelecer regras para a boa alocação de recursos na área. Em resumo: sem essas avaliações, a alocação de recursos é feita de maneira, no mínimo, ingênua. Para não dizer irresponsável.
Nos últimos anos, os governos municipais e estaduais implantaram uma enxurrada de ações nos sistemas educacionais: melhoria da formação continuada dos professores, programas de bônus, adoção de materiais e métodos estruturados de ensino, mudanças na gestão escolar etc. Apesar disso, a cada divulgação dos dados do Saeb/Prova Brasil, recebemos a mesma velha notícia: melhoramos nos anos iniciais do ensino fundamental, mas estamos estagnados ou pioramos nos anos finais e no ensino médio.
É verdade que políticas educacionais geram melhorias de longo prazo. Mas, se as ações implantadas de fato surtem efeito, os resultados uma hora precisam aparecer. Anos atrás, acreditava-se que os dados de aprendizado do Saeb/Prova Brasil melhorariam quando os estudantes oriundos do 5º ano bem sucedido chegassem ao 9º ano e ao ensino médio. Não aconteceu. Isto sugere que estamos desperdiçando recursos, fornecendo um tratamento inócuo a gerações e gerações de estudantes.
Enfim, não podemos continuar julgando o mérito das políticas educacionais apenas com base em suas boas intenções. É preciso ser agnóstico. Para descobrirmos qual é o remédio para melhorar a educação, devemos conduzir pesquisas rigorosas do ponto de vista científico que avaliem o impacto das ações, programas e políticas propostas para a área educacional. Para isso, é necessário continuar produzindo dados confiáveis das avaliações externas dos sistemas educacionais e contar com o conhecimento, "know-how" e isenção dos pesquisadores acadêmicos das melhores instituições de ensino superior do país.
http://noticias.uol.com.br/opiniao/coluna/2014/09/24/alocacao-de-recursos-publicos-na-educacao-e-feita-de-maneira-ingenua.htm

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