segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Letras impressas ou voadoras


Escrito por Anna Veronica Mautner

A escola, essa de fileiras, a tradicional, em que cada um tem o seu lugar de sentar, melhor falando, cada um tem a sua carteira de frente para a lousa e a mesa do professor, essa escola é mais de ouvir do que de ver. A paisagem que cada um de nós vê na sala de aula é cansativamente monótona por horas e horas. Eventualmente, conteúdos mudam no quadro-negro. Em nossa frente, a mesma nuca, o mesmo colega. Poderíamos dizer que essa escola é a escola sonora. O humor e a surpresa ficam praticamente ausentes.
Há muitas décadas, os professores anunciavam quando “dariam um ponto novo”. O tal do ponto novo era esperado. A escola não era amada, não despertava paixão. O tédio era a sensação dominante. Era tão monótona que até inspirou um programa de rádio. Em meio a uma liberdade maior, a Escola risonha e franca era um programa diário de rádio no qual Dona Olinda era a professora e cada aluno tinha uma personalidade, um jeito de ser.
Já na escola de verdade tínhamos que ser todos iguais. O diferencial era a nota que se conseguia e o comportamento. Havia nota de comportamento, sim. Mexer-se muito na cadeira dava nota baixa de comportamento no boletim. A carteira era uma prisão, na qual o aluno tinha que fingir interesse por um conteúdo pouco interessante. Alguns professores excepcionais conseguiam minimizar o peso do tédio.
Hoje não podemos imaginar que crianças de 6 a 10 anos, por exemplo, consigam ficar ouvindo e fazendo coisas “chatas”. Hoje os olhos das crianças estão acostumados a ver movimentos ininterruptos dos jogos eletrônicos, da televisão. A postura é parecida: a criança fica parada e a máquina traz imagens em movimento, sem parar.
Não posso imaginar o que vai acontecer com as mentes criadas à vista de movimento com o corpo parado. Qual será a consequência disso? Ainda está em gestação a primeira geração com essa nova condição. Em casa, televisão e joguinhos. Na escola, tablets e outros recursos para atrair o olhar.  Conteúdos sempre em movimento são apresentados aos corpos parados. Antes, era corpo parado diante de conteúdo parado. Agora, o olho vê movimentos, aproximações, afastamentos e sons.
E o que vai acontecer com as nossas bibliotecas de livros impressos, cujo conteúdo não está nas nuvens?  Estamos vivendo um momento de diluição do livro-objeto. O livro-objeto que enfeita as prateleiras torna-se cada vez mais objeto e menos fonte de informação. Ninguém quer que o livro desapareça, apesar de recorrer cada vez mais ao conteúdo eletrônico.
Vivemos em um momento de muita dificuldade: ainda queremos que a escola tenha biblioteca e que ela seja eletronicamente equipada. Que bom que ainda temos os dois! Ainda é notícia de jornal a existência de bibliotecas nas escolas, assim como é notícia também o quanto de recursos eletrônicos estão disponíveis nas mesmas escolas. Um não substitui o outro. Um não rouba espaço do outro. Existe uma especificidade sensorial no livro impresso e uma mental no livro eletrônico. O conteúdo pode até ser o mesmo.
Este é o momento que nós vivemos: a superposição dos dois recursos para acessar conteúdo. Um a gente apaga, outro a gente guarda. Um a gente guarda na nuvem, outro a gente guarda na estante. Parece que ficamos mais ricos. Será?

http://www.profissaomestre.com.br/index.php/colunistas-pm/anna-veronica/904-letras-impressas-ou-voadoras

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