segunda-feira, 28 de julho de 2014

Ensino reprogramado

Escola em Pernambuco usa a programação de jogos para tornar o aprendizado dinâmico e despertar o interesse de alunos do ensino médio.
Por: Isadora Vilardo
O ensino da programação de jogos é capaz de integrar conceitos de diversas disciplinas,
como matemática, física e até química e literatura. (foto: Marco Antonio Torres/ Flickr – CC BY-SA 2.0)
Nos intervalos, uma partida de videogame pode ajudar a relaxar e divertir. Mas e se durante as aulas a tarefa fosse projetar um jogo de computador? Essa é a proposta da Escola Técnica Estadual Cícero Dias, em Recife (Pernambuco). Com o projeto Fábrica de Games, a instituição reúne suas turmas do ensino médio para a aprendizagem da programação. A atividade visa articular o uso de tecnologias digitais com os diferentes conhecimentos das disciplinas clássicas do currículo.
A mistura desses dois elementos – diversão e ensino – despertou a curiosidade do pedagogo Sthenio Magalhães, que analisou o projeto em seu mestrado no Programa de Pós-graduação em Educação Matemática e Tecnológica da Universidade Federal de Pernambuco. Para ele, a iniciativa é um dos caminhos para o uso das tecnologias digitais na educação. “Vivemos em um contexto permeado por diversas mídias, mas a escola ainda está engatinhando para saber como integrar as inúmeras ferramentas disponíveis ao processo de formação dos alunos”, diz.
Magalhães: “Vivemos em um contexto permeado por diversas mídias, mas a escola ainda está engatinhando para saber como integrar as inúmeras ferramentas disponíveis ao processo de formação dos alunos”
As atividades da Fábrica de Games acontecem simultaneamente às aulas do currículo clássico e são voltadas para todas as turmas dos três anos do ensino médio. Para programar os jogos – que podem ser desenvolvidos para computador ou celular –, os alunos colocam em prática principalmente habilidades de matemática e física. Já outras disciplinas, como literatura, geografia e química, são integradas de acordo com os jogos programados. “Uma das atividades foi elaborar uma tabela periódica interativa”, conta Magalhães. “Para fazer isso, foi preciso pesquisar e adequar conceitos de química.”
Para o pedagogo, o grande benefício do projeto, no entanto, está na relação dos alunos com o ensino. “Nas atividades da Fábrica de Games, os estudantes se sentem mais próximos dos professores e sujeitos no seu processo de aprendizagem”, avalia. “Eles se interessam por desenvolver o jogo; e o professor está ali para assessorá-los. Essa parceria mostrou ser muito significativa do ponto de vista pedagógico.”
Magalhães ressalta que esse tipo de relação é diferente do que acontece nas aulas tradicionais, em que o conhecimento é transmitido por uma via de mão única. “A estrutura da sala de aula é arcaica, com alunos enfileirados diante do professor”, diz. “A dinâmica descentralizada das aulas de programação contribuiu para que os alunos se engajassem no desafio de compreender e manipular saberes de disciplinas como a matemática, que normalmente encontra maior resistência.”
Além disso, ao contrário do que costuma ocorrer na sala de aula regular, a maior parte das atividades da Fábrica de Games é desenvolvida em grupo, outro ponto positivo na visão do pedagogo. “Assim, alunos em diferentes estágios de aprendizagem, do mais elementar ao mais avançado, têm a oportunidade de trocar ideias e construir o conhecimento coletivamente.”
Segundo Magalhães, os comentários dos próprios alunos refletem a importância do trabalho em equipe para motivá-los. “Muitos deles aprovaram o projeto e sentiram falta de uma maior integração dos professores das disciplinas clássicas com a Fábrica de Games”, conta. “Eles queriam usar na sala de aula regular os jogos desenvolvidos.”

Sem consenso

O estudo da programação por crianças e jovens não é uma unanimidade. A prática, que se tornou febre nos Estados Unidos e está chegando ao Brasil – inclusive como tema de novela –, levanta polêmicas sobre sua pertinência nas classes iniciais de ensino e sobre os interesses particulares envolvidos, como já foi mostrado em outro artigopublicado nesta seção.
Computadores em sala de aula
A inclusão do ensino da programação de jogos no currículo das escolas é uma questão que tem gerado polêmica. (foto: Judy Baxter/ Flickr – CC BY-NC-SA 2.0)
Para o pedagogo Sthenio Magalhães, no entanto, a atividade tem suas potencialidades. “A Fábrica de Games, por exemplo, envolve jovens de 15 a 18 anos e, nessa idade, a relação com a tecnologia digital já é forte”, afirma. “O projeto aproveita o gosto dos jovens por esse tipo de tecnologia e apresenta uma nova perspectiva de uso, de cunho pedagógico, sem perder o aspecto da diversão.”
Magalhães: “O projeto aproveita o gosto dos jovens por esse tipo de tecnologia e apresenta uma nova perspectiva de uso, de cunho pedagógico, sem perder o aspecto da diversão”
Magalhães acredita que o ensino da programação seja polêmico devido a uma visão pessimista em relação às tecnologias digitais em sala de aula. “Muitos pensam que a tecnologia irá substituir professores”, diz. “Porém, no projeto desenvolvido na escola Cícero Dias, essas tecnologias vieram acompanhadas de uma perspectiva mediadora da educação, ajudando a modificar positivamente a relação aluno-professor e integrar os estudantes para além dos grupos definidos para trabalhos.”
Quanto aos interesses particulares no ensino, o pesquisador ressalta: “As empresas privadas que apoiaram a estruturação física da escola não interferem na formulação do seu currículo, que fica a cargo das esferas públicas pertinentes.” A Fábrica de Games é resultado de uma parceria do Instituto Oi Futuro e do Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife com a Secretaria de Educação de Pernambuco.
O pedagogo enfatiza que os profissionais da educação estão caminhando para entender como as tecnologias digitais podem ser aliadas do ensino. “As ferramentas já existem – notebookstablets, lousas digitais –, mas precisamos criar estratégias que consigam integrá-las ao processo de ensino e aprendizagem sem esvaziar seus potenciais nem engessá-las.” E completa: “A Fábrica de Games é um meio que se mostrou eficaz.”

Isadora Vilardo
Ciência Hoje On-line
http://cienciahoje.uol.com.br/alo-professor/intervalo/2014/06/ensino-reprogramado

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