Bióloga e educadora comenta como a apropriação indevida do conhecimento e a deturpação de dados de pesquisa vêm alavancando a comercialização de produtos que nada têm de científicos.
Por: Vera Rita da Costa
Talvez o leitor ache o título muito agressivo. Pode ser. No entanto, ele não desagradaria totalmente aos neurocientistas sérios, que têm visto seus dados de pesquisa, assim como os de outros colegas dessa área do conhecimento, serem apropriados, distorcidos e extrapolados por pessoas interessadas em vender manchetes em jornais e revistas, livros de autoajuda ou programas de treinamento e outros ‘neuroprodutos’ pseudocientíficos.
Os dados de uma pesquisa da neurocientista Molly Crockett foram mal compreendidos e transformados em manchetes equivocadas, sendo replicados e deturpados para servir a outros interesses
Para compreender melhor o que menciono, sugiro conhecer a opinião da neurocientista Molly Crockett, da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, apresentada na conferência que ela realizou para a fundaçãoTechnology, Entertainment, Design (TED) – mais conhecida como TED Conference – e disponível na internet. Nela, a pesquisadora conta como os dados de uma pesquisa da qual foi coautora foram mal compreendidos e transformados em manchetes equivocadas, sendo replicados e deturpados para servir a interesses totalmente alheios aos seus ou da pesquisa original.
Para se ter uma ideia do que aconteceu, basta dizer que a divulgação da pesquisa de Molly Crockett, cujo objetivo principal era testar como as substâncias químicas do cérebro influenciam as escolhas que fazemos, rendeu manchetes do tipo: “Um sanduíche de queijo é tudo o que você precisa para tomar decisões difíceis”; “Comer queijo e carne pode aumentar o autocontrole” e “Comprovado! O chocolate não deixa você ficar ranzinza”.
Em nome do humor e bem-estar
“Onde está o problema?”, questiona-se Molly Crockett. “Está na frequência com que isso está acontecendo e no fato de os conhecimentos neurocientíficos (realmente interessantes) estarem sendo apropriados de maneira indevida e deturpados para alavancar a comercialização de produtos.” Como exemplo, Crockett cita seu próprio trabalho: quando as primeiras manchetes sobre a pesquisa de que participou apareceram na imprensa, ela foi procurada por empresários interessados em contar com seu “respaldo científico” para o lançamento de “bebidas para melhorar o humor” ou “comidas reconfortantes”, capazes de fazer com que nos sintamos melhor.
Embora não tenha aceitado a proposta, os produtos não deixaram de ir para as prateleiras dos mercados. Há nos Estados Unidos atualmente toda uma linha de ‘neurodrinques’ ou ‘neurobebidas’ anunciadas como “capazes de diminuir o estresse, melhorar o humor, aumentar a concentração e promover uma postura positiva”. Sem endossos científicos ou testes controlados. Apenas a imagem de um cérebro na embalagem, como forma de certificar a pseudodescoberta e alavancar as vendas.
Continue lendo e veja o Vídeo com a neurocientista Molly Crockett, clique:
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