sexta-feira, 7 de março de 2014

Grupo de professores considera ECA 'excessivamente liberal'

Resultados preliminares de pesquisa da USP revelam desconhecimento do Estatuto da Criança e do Adolescente


Antigamente, as mães eram tão severas que, quando chamadas na escola para resolver um problema de má conduta do filho, começavam a bater neles, e os professores tinham que contê-las. Hoje, elas começam a bater no professor. 
Essa é a “brincadeira” que muitos educadores descrevem para exemplificar as situações de indisciplina que enfrentam no ambiente escolar. E foi com esse argumento que, ao participar de uma pesquisa desenvolvida pelo Observatório de Violência e Práticas Exemplares da Universidade de São Paulo (USP), muitos disseram considerar o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) "excessivamente liberal". “Os professores se viram despossuídos dos organizadores pedagógicos. Dizem que, antes, podiam advertir, reprovar, e que essa autoridade foi acabando de tal forma que se viram impotentes. E um dos primeiros bodes expiatórios encontrados foi o ECA”, avalia Sergio Kodato, professor de psicologia social da USP, coordenador do Observatório e orientador de Daniel Massayuk, líder do estudo.
Os resultados da pesquisa ainda são preliminares, mas Kodato indica que, durante as entrevistas, já foi possível perceber dois segmentos entre os educadores. O primeiro deles, que ficaria entre 60% e 65%, acredita que o estatuto é muito liberal e dá mais direitos do que deveres aos alunos. “Estes geralmente têm uma visão estigmatizada do adolescente rebelde, entendem que esse comportamento é decorrente da falta de educação em casa, defendem a redução da maioridade penal e se eximem de exercer a ação educativa na escola"rdquo;, aponta. Com isso, haveria uma criminalização dos episódios de indisciplina, que antes eram resolvidos dentro dos limites pedagógicos e agora ganhariam forma de delito, virando caso de polícia ou de Ronda Escolar. Para o docente, um dos motivos para a visão estereotipada do ECA pode ser explicado pelo desconhecimento do estatuto - em vez de usá-lo como respaldo e modelo de justiça, que delimita conflitos.
Já o outro segmento de docentes, que ficaria em aproximadamente 35% dos entrevistados, acredita que o ECA é avançado e essencial para garantir direitos à população jovem, mas que, na prática, não funciona tão bem. Para Kodato, uma das grandes diferenças nas visões dos docentes tem origem na própria formação. Professores e gestores com formação mais conservadora, com base no autoritarismo, tendem a culpar o ECA por “passar a mão na cabeça de infratores”, diferentemente daqueles que tiveram uma educação mais liberal. “O controle na escola não deve ser pelo autoritarismo, mas envolvendo o aluno com atividades desafiadoras, estimulantes. Escola é lugar de conflito, os jovens estão em idade de conflito, então o conflito é inevitável, e temos que entender isso”, opina o pesquisador. Ele ressalta, ainda, que ver o ensino com perspectiva punitiva cria um clima de hostilidade entre pais, alunos e escola.
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